Eu gosto de feijoada, e nem precisa ser daquelas completas, como na música do Chico. Pé de porco, rabo de porco, orelha de porco, paio, muita linguiça, carnes boiando – tudo isso eu passo. Ainda bem, porque uma rápida consulta nos valores dos ingredientes me apontou o seguinte:
- Charque dianteiro (500 gramas): R$ 41,90
- Kit carnes suínas defumadas (porção): R$ 47,90
- Linguiça mignon defumada (quilo): R$ 23,90
Para mim, basta uma costelinha de porco, coisa pouca, só mesmo para dar uma maldade no caldo – bem temperado com tudo o que tiver na cozinha, até uma meia usada. Mentira, a meia foi só para causar.
Desde que a gente se conhece por povo, o feijão sempre esteve na mesa, por gosto e pela facilidade de comprar. Era botar água no feijão e pronto, comia mais um, comiam mais dois, mais quantos fossem. Pena que não é mais assim. R$ 9,99 é o preço médio do quilo nos supermercados, o centavo que falta para chegar aos 10 pilas cumprindo uma função psicológica. Além de servir, claro, para irritar o consumidor e as operadoras de caixa. Digamos que alguém queira o troco, como é de direito. Está feita a treta.
Não se pode esquecer que feijão sem arroz é avião sem asa. Fogueira sem brasa. Sou eu, assim sem você.
Não se pode esquecer que feijão sem arroz é avião sem asa. Fogueira sem brasa. Sou eu, assim sem você. É aí que entra o arroz, mais ou menos R$ 6 o quilo, preço oscilante feito cotação de dólar. Se for para caprichar mesmo, pode juntar a farinha de mandioca nessa conta e pagar mais uns R$ 4 por um pacotinho de meio quilo.
Importante: apesar do gás de cozinha já ter atingido os três dígitos, não dá para poupar quando se cozinha feijão. O grão leva um bom tempo para ficar no ponto, ou seja, vai mais grana nessa receita. Quando se vê, o prato mais tradicional da cozinha brasileira já não é para todos no país onde 49,6 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar. 49,6 milhões de pessoas que não sabem se terão comida para o dia. Para o dia seguinte. Para a semana.
Conheço muitas mulheres que são o avesso da Maria Antonieta. Nada de trocar pão por brioche, é café por cevadinha e frios por retalhos. Minha mãe era dessas. Mas mesmo as mais econômicas estão penando para botar comida na mesa. A cesta básica em Porto Alegre é a mais cara do país, R$ 656,92 no começo de agosto.
A procura pelos ossos, que antes eram doados, fez com que eles virassem produto nos açougues. Mas não deveria ser agora, mais do que nunca, o momento de serem doados?
Diante desse quadro, até me animei quando o presidente sugeriu uma alternativa ao feijão: o fuzil. A exemplo da – acredito – maioria, não entendi de saída como uma coisa substituiria a outra. Logo pensei na sopa de pedras do Pedro Malasartes. Sem nada para comer, o Malasartes botou as pedras na panela e foi conseguindo uma pitadinha de sal aqui, um tiquinho de cebola ali, depois um pedacinho de carne, até que a sopa de pedras virou um belo sopão. “E as pedras?”, perguntou a vizinha pão-dura que pouco antes tinha negado comida a ele. As pedras a gente joga fora.
Na minha ingenuidade, achei que o papel do fuzil fosse esse, servir apenas para começar a gororoba. Dá uma fervida e vai acrescentando a cenoura, a batata, a moranga, a agulha. Mas então vi o preço do dito cujo, por volta de R$ 12 mil. Olha a quantidade de feijão que um fuzil desses compra no país onde quase 50 milhões de pessoas vão dormir hoje sem comer nada.
É como diz a música: 10 entre 10 brasileiros elegem feijão, verdadeiro fator de união da família. Faz mais feliz a mamãe, o papai, o filhinho e a filha. Não tem nada, mas nada mesmo, que lembre tanto o Brasil maravilha.
Onde queres fuzil, eu sou feijão.