Ah, quando der para sair. Eu vou viver Porto Alegre de outro jeito. Aquelas reclamações de sempre sobre o calor: nunca mais. Quero sair na rua e pegar o bafo inteirinho, me sentir assando em uma televisão de cachorro – e feliz. Quero ver o cabelo horroroso com a umidade, e não dar a mínima, até curtir os cachos mal formados pela umidade. Quando der para sair, eu saio.
Quando der para sair, vou abraçar todo mundo, a família que ficou longe, os aniversariantes do período, os novos colegas de trabalho que só conheço pelo Skype, os amigos, os guris da portaria. Vou marcar com a minha médica e ligar para o salão. Quando der para sair, eu juro: não vou deixar para depois o que queria ter feito há tempos.
Quando der para sair, vou fazer uma das coisas que mais detesto, ir ao supermercado, um incômodo tanto pelos preços, que sobem de um jeito que o meu salário não consegue acompanhar, quanto pela chateação de paletear as compras. Pretendo ficar um bom tempo no súper, sem medo de me contaminar enquanto escolho legumes. E mais: cumprimentando as pessoas em volta, bom dia, boa tarde, vem sempre aqui? Quando der para sair, vou subir a ladeira carregando as sacolas só pelo prazer de pensar: saí.
Isso tudo que a gente está vivendo não passa assim, sem deixar sequelas. O lado bom: todo mundo parece estar mais solidário, mais interessado no outro. Tomara que não seja só o susto.
Quando der para sair, vou me arrumar direito para ir ali na esquina, vou jantar fora, vou voltar a pé para casa, vou comprar flores, vou ver o Grêmio, vou ao cinema. Ok, exagerei. Bateu uma overdose de liberdade projetada aqui.
Quando der para sair, estarei mais desbotada, mais ilustrada – nada como uma quarentena para botar a leitura em dia –, mais ansiosa, mais feiosa, mais saudosa. E também mais preocupada, mais ressabiada, mais assustada, mais paranoica. Isso tudo que a gente está vivendo não passa assim, sem deixar sequelas. O lado bom: todo mundo parece estar mais solidário, mais interessado no outro. Tomara que não seja só o susto.
É por tudo isso que tem que ficar em casa mais um pouquinho. Para sair assim que der.
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A Casa de Cinema de Porto Alegre, com a apoio da #342 Artes, produziu um clipe musical não apenas para lembrar que continua sendo fundamental ficar em casa, mas também para arrecadar fundos para a realização de mais testes da covid-19 nos laboratórios de universidades do Rio Grande do Sul, de São Paulo e do Rio de Janeiro.
No clipe, 150 pessoas das mais diversas idades e profissões interpretam, cada uma do seu jeito, Canto do Povo de Um Lugar, que Caetano Veloso cedeu para a causa. Os vídeos foram enviados de cidades brasileiras, de Nova York e de Barcelona. Quando entra a locução final da Fernanda Montenegro, até os mais resistentes pensam duas vezes antes botar o pé na rua.
Puxando a brasa para a nossa sardinha, é possível doar para o laboratório de testes de coronavírus do ICBS, Instituto de Ciências Básicas da Saúde da UFRGS, acessando ufrgs.br/icbs. Os links para doar para USP e UFRJ entram no final do clipe, que você assiste aqui: gzh.rs/CasadeCinema.
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Uma dica finíssima: a Coordenação de Artes Cênicas da Secretaria Municipal de Cultura está homenageando a dramaturga Vera Karam, que completaria 60 anos em 2020, com um ciclo de leituras dos principais textos da autora que ficou conhecida pelo humor inteligente e a construção complexa – mas cheia de humanidade – de seus personagens.
Os artistas convidados se reúnem remotamente (contradição em termos) para gravar e os encontros veiculam no blog maisteatro.org e na página da SMC no Facebook. Para dar vontade, Deborah Finocchiaro e Luis Franke apresentam O Casal Ou Por Que Você Não Disse que me Amava? É só entrar aqui: gzh.rs/OCasal.
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E ainda dentro da série Maravilhas do Mundo Online. Já que não dá para ir ao bar Ocidente, Katia Suman, Luís Augusto Fischer e Diego Grando fazem o Sarau Elétrico todas as terças, às 21h, em radioeletrica.com e youtube.com/katiasuman25. Digitais, mas com a picardia de sempre. Enquanto não der para sair, nossa casa vai ser o lugar mais cheio de atrações da cidade.