Uma coisa estranha do confinamento: as pessoas não se cumprimentam mais. Faz semanas que o único lugar a que vou, quando vou, é ao supermercado perto de casa. Não que eu conheça os eventuais companheiros de compras, mas até antes de tudo isso, uma olhada amistosa ao cruzar pelos corredores, um agradecimento quando alguém dava passagem, um bom dia por simples educação, faziam parte da etiqueta do esquilinho. Hoje em dia, uns passam pelos outros de cabeça baixa, apressados, quem sabe meio culpados pela saidinha utilitária.
Os assuntos também escasseiam. Primeiro que o interesse número um, o vírus, é do domínio de todos. O que trazer de novo se estamos todos ligados nos jornais e nas televisões em busca dos últimos números? De brinde, é preciso ver as carreatas impedindo a passagem de ambulâncias, a cloroquina receitada por desqualificados e empresários forçando a volta à normalidade. O problema é que não são tempos normais.
Se não fossem as entregas, aliás, as coisas estariam bem mais complicadas. Fui dos que não correram para comprar máscaras, achei que não precisaria usar. É um tanto de frescura, pensei, otimista.
Enquanto isso, a gente vai redescobrindo a casa – nós, que temos a ventura de ter casa. A cozinha, essa desconhecida, virou meu território. E dê-lhe receitas novas pela internet, fora os livros que não eram consultados há anos. De um deles, de bolos e sobremesas, só sobrou a capa, o miolo totalmente comido pelas traças. Considerando o açúcar contido naquelas páginas, as traças devem estar diabéticas. A cozinha só não é um prazer maior pela louça que se acumula. Mas eis que uma exímia frasista, minha amiga Lúcia, me traz essa: enquanto há vida, há louça para lavar. Pura verdade. Parei de reclamar.
Para além do videogame e dos jogos online que têm preenchido parte do isolamento da ala mais jovem da família, surgiu aqui um passatempo revolucionário: os quebra-cabeças. Foi em um sábado que deu o estalo, um quebra-cabeça de mil peças vai manter a turma ocupada – e sem chatear, portanto. Mas onde comprar um em pleno confinamento? Foram várias ligações até que as meninas das Lojas França, que estavam de plantão, nos atenderam pelo WhatsApp com uma paciência de Jó. Depois, entregaram o quebra-cabeça na porta. É bom montar? Não, é horrível, dá vontade de chutar tudo quando as pecinhas não se encaixam. Mas o tempo passa que é uma beleza.
Se não fossem as entregas, aliás, as coisas estariam bem mais complicadas. Fui dos que não correram para comprar máscaras, achei que não precisaria usar. É um tanto de frescura, pensei, otimista. O que fazer quando a recomendação passou a ser o uso por todos? Depois de não achar em farmácia alguma, consegui na Isaclin. Não é jabá, é utilidade pública. E para abusar: a entrega de livros segue sendo uma mão na roda para quem quiser aproveitar a quarentena para passar o tempo viajando.
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Embora um tanto elitista, o streaming é outra companhia valiosa (às vezes valiosa mesmo, dependendo dos preços) para passar o tempo. Mas tem muita coisa sendo disponibilizada de graça. É só entrar e assistir. Por exemplo:
A Casa de Cinema liberou todo o seu acervo no amor, do mítico Ilha das Flores aos filmes e séries mais recentes. E só entrar em casacinepoa.com.br.
Os 15 anos de atrações do Fantaspoa, melhor festival de filmes fantásticos de todo o universo, está disponível por meio do site fantaspoaathome.com.
Os documentários do festival É Tudo Verdade estão, de graça, na plataforma spcineplay.com.br. E não é mentira.
E a nossa maravilhosa Cinemateca Capitólio, que felizmente continua a ser administrada pelo pessoal da Cultura do município, libera todos os dias um filme que os cinéfilos classificariam como uma pedrada. A melhor maneira de acompanhar é seguir o perfil @cinematecapitolio no Instagram.
Se é para ficar em casa, a gente aproveita para ficar um pouquinho mais inteligente também. Como diz um amigo, mal posso esperar para progredir para o regime semiaberto. Por isso sigo cumprindo a minha pena direitinho.