E aqui estamos nós, fechados em casa, não apenas em causa própria, mas também para cuidar dos outros. Tantos filmes de epidemia depois, quem imaginou que o terror – psicológico, que seja – nos pegaria na vida real?O Dia em que a Terra Parou acontecendo da nossa porta para fora. A Hora do Pesadelo misturada com A Profecia: há quem veja as premonições de Nostradamus no coronavírus.O Quarto do Pânico, e ainda bem que dá para usar a cozinha e o banheiro. Já Apocalipse Zumbi é quando centenas se reúnem na manifestação mais inconveniente da história.Quer apoiar, apoia. Só adia, do mesmo jeito como todos estão fazendo.

Às vezes, o processo todo dava preguiça. Ir, escolher, entrar na fila, depois devolver, às vezes com multa pelo esquecimento do prazo. Uma trabalheira que compensava ao final de um filme bom.

Mesmo com todos os streamings disponíveis, e ainda que seja melhor não colocar o nariz para fora, que saudade das locadoras de vídeo. Era bom sair delas com um sacolão para se garantir no feriado. Às vezes, o processo todo dava preguiça. Ir, escolher, entrar na fila, depois devolver, às vezes com multa pelo esquecimento do prazo. Uma trabalheira que compensava ao final de um filme bom. Falando nisso, o profético Contágio, do diretor Steven Soderbergh, está bombando no Now.

Para quem gosta de novela, o que assistir nas noites sem capítulos, as gravações suspensas para não expor técnicos e elencos? Sugiro uma série com a maior pinta de novelão, duas temporadas de 10 episódios cada: Succession. Logan Roy, um empresário podre de rico, busca um sucessor para dirigir seu império, que vai de canais de televisão a parques temáticos. Poderia ficar por muitos parágrafos falando dos filhos que estão na disputa, Kendall, Roman e Shiv, dos agregados que correm por fora, do primo Greg, do primogênito Connor, da madrasta Marcia, das relações familiares complicadas e duras, dos negócios escusos do patriarca, das puxadas de tapete, mas o melhor mesmo é assistir. Succession vicia.

E os livros? Não faltam boas opções para companhia nesses dias de quarentena. Acabei de ler o recomendado A Vida Pela Frente, de Émile Ajar – pseudônimo do autor Romain Gary. Um garoto muçulmano que acredita ter 10 anos vive com uma senhora judia, prostituta aposentada, no período pós-Segunda Guerra, em Paris. O livro é narrado pelo menino, mas sem a voz infantiloide de alguns relatos melosos que lemos aqui e ali. Publicado em 1975, é cômico, poético, irônico, cruel, lírico, tudo ao mesmo tempo. Fala de tolerância e solidariedade como se tivesse sido escrito para tudo o que vivemos hoje. E é tão bom que Sophia Loren acaba de interromper a aposentadoria para interpretar Rosa, a tutora de Momo, em uma nova versão para o cinema.

A primeira, de 1978, ganhou o Oscar de Filme Estrangeiro.A Idade de Ouro do Brasil, de João Silvério Trevisan, é uma disputa pelo poder entre políticos paulistanos de última categoria que se juntam para fundar um partido e uma trupe de travestis lideradas por Vera Bee. Sim, é isso mesmo. E se alguém conseguir desgrudar o olho antes do fim, é porque precisou levantar para ir ao banheiro. Única explicação possível.

Assim na Terra como Embaixo da Terra, de Ana Paula Maia, é a história de um grupo de homens em uma prisão que ninguém sabe onde fica. “Durante todo o fim de tarde, os homens permanecem entreolhando-se a distância. (...) Do lado de fora, além da vastidão e dos espaços vazios, existe o silêncio empurrando-os para o nada”. Exige firmeza do leitor – o que, convenhamos, adultos confinados como nós tiram de letra.

E para quem quiser experimentar a aventura de um audiobook, a plataforma storytel.com lançou Mulher Maravilha. É a vida da espetaculosa Elke Maravilha pelo jornalista Chico Felitti, biógrafo capaz de conseguir qualquer informação sobre seus biografados. Praticamente uma novela de ouvir, tantas as aventuras e as peripécias daquela que, por muito tempo, pareceu ser apenas uma jurada meio louca do programa do Chacrinha. Ledo e Ivo engano nosso.

Temos pelo menos mais uma semana de quarentena. Se tudo correr bem, dá para a gente sair dessa melhor do que entramos. Boa sorte e vamos nessa.