O professor Cláudio Moreno nasceu em Rio Grande e veio para Porto Alegre, como ele diz, quando ainda usava calças curtas. De lá para cá, professor, mestre e doutor, ensinou a língua portuguesa para várias gerações de alunos que, salvo desonrosas exceções, aprenderam não apenas o conteúdo, mas passaram a amar as delicadezas e as sutilezas da língua. Autor de vários livros, colunista de jornal, marido da Ana, pai de sete filhos, o profe Moreno também é uma referência quando a gente pensa em mitologia grega. Quem ainda não o ouviu contar as peripécias de Zeus & grande elenco, não sabe o que está perdendo.
“Meu primeiro contato com a mitologia grega foi aos sete anos, quando me apresentaram a obra de Monteiro Lobato, que teve a ideia genial de fazer a turma do Sítio do Pica-Pau Amarelo visitar a Grécia antiga duas vezes − nos Doze Trabalhos de Hércules e no Minotauro. Tenho certeza de que foi ali que começou, à primeira vista, este amor que até hoje continua bem vivo”, conta o professor.
Aos nove anos, já em Porto Alegre, ele leu na Biblioteca Pública Infantil tudo o que havia sobre mitologia. “A maior parte dos livros (como até hoje, aliás) trazia versões condensadas dos mitos, domesticadas e expurgadas para adequá-las às crianças.”
Foi então que, aos 11 anos, Moreno assistiu ao filme Helena de Troia, com a deusa – em todos os sentidos – Rossana Podestá no papel-título. E o mundo nunca mais foi o mesmo.
“Eu me apaixonei por Troia e principalmente me apaixonei por Helena. Fiquei excitadíssimo (física e espiritualmente...) com este filme. Acho que foi ali que pude sentir, pela primeira vez, todo o erotismo que pulsa nesta narrativa e na maioria dos demais mitos gregos. Aliás, estou convencido de que este componente erótico, tão bem captado pela pintura dos grandes mestres do Ocidente, é o tempero que faz todos ficarem fascinados, quase enfeitiçados, quando me ouvem contar histórias da mitologia grega − ou das 1001 Noites, pelo mesmíssimo motivo.”
Pode-se dizer que Helena de Troia traçou seu destino. “Quando fiz vestibular para a faculdade de Letras, optei pela licenciatura em Língua e Literatura Grega, onde tive o privilégio de estudar com o professor Donaldo Schuller, que abriu definitivamente a Grécia para mim. Desde então, mantive um estreito contato com a cultura grega: vivo relendo com prazer os textos clássicos e preciso confessar que seus autores falam muito mais sobre minha vida do que a maior parte dos autores que são meus contemporâneos”. Não por acaso, o romance Troia, que ele lançou em 2004 pela L&PM, é um best-seller até hoje.
A ligação de Moreno com a Grécia era tão forte que ele demorou a conhecer o país. “Já tinha feito essa viagem centenas de vezes, apenas na biblioteca, passando de um livro para outro, de uma prateleira para outra, ao longo da minha estante. Eu escrevia sobre a Grécia, dava aulas sobre sua literatura e sua mitologia, fazia a Coluna Grega do Sarau Elétrico, mas era uma viagem acima de minhas posses e fui me resignando a nunca pisar em solo grego. Como a raposa da fábula, aquela das uvas verdes, ia me convencendo pouco a pouco de que era uma viagem que só me deixaria desapontado: havia as notícias alarmantes que as agências internacionais traziam da crise grega, havia os depoimentos de amigos que andaram por lá e voltaram desapontados com o estado das coisas: é um amontado de ruínas, é só pedra espalhada no meio de capim alto, é uma procissão interminável de museus, é um calor infernal, e assim por diante”.
Mas como tinha que haver um lugar no Olimpo para ele, a ocasião chegou em 2013. E em grande estilo. “A agência de viagens Porto Brasil me convidou para ser o curador de uma viagem à Grécia, nos locais que eu escolhesse. Era uma chance de ouro, mas confesso que embarquei ainda com o receio secreto de me desiludir.”
Veio a pandemia e, dentro de casa com a Ana e as filhas caçulas Luísa e Manu, o professor Moreno teve a ideia de continuar as viagens pela Grécia – mas em podcast, sugestão que um amigo já havia dado em novembro do ano passado.
Felizmente, nada disso aconteceu − muito pelo contrário. “Freud, maravilhado quando viu a Acrópole pela primeira vez, não se conteve e disse a seu irmão: ‘Então, o que eles nos contavam na escola era verdade!’. Entendi perfeitamente o sentido desta frase, quando o ônibus que nos levou do aeroporto até Atenas, no finzinho da tarde, depois de rodar por ruas e avenidas modernas, dobrou uma esquina qualquer e lá estava, no fim da rua, no alto da colina da Acrópole, o Partenon iluminado, brilhando contra o céu que já ia escurecendo, luzindo como uma joia sobre almofada de veludo. Ali terminaram os meus receios. A Grécia era mesmo tudo aquilo que eu pensava, e muito mais, como constatei ao visitar Corinto, Nemeia, Micenas, Argos, Tirinto, Epidauro, Olímpia e Delfos, nomes mágicos para quem se interessa por mitologia.”
Foram várias viagens e muitas turmas. Então, veio a pandemia e, dentro de casa com a Ana e as filhas caçulas Luísa e Manu, o professor Moreno teve a ideia de continuar as viagens pela Grécia – mas em podcast, sugestão que um amigo já havia dado em novembro do ano passado.
“Confesso que eu, embora seja internauta da primeira hora, nunca tinha pensado nisso, mas logo fui atraído pelas possibilidades oferecidas pelo podcast: pessoas gostam de histórias da mitologia, eu gosto de contar − e gostei mais ainda de contar assim, de viva voz, ao pé do ouvido, no tom de quem conversa.”
Assim nasceu o Noites Gregas, que é, na verdade, um longo e divertido curso de mitologia grega, dividido por capítulos quinzenais. “Estamos atualmente no nono episódio dos 90 programados. Para ouvi-los, basta entrar em noitesgregas.com.br no computador ou no celular e clicar no episódio desejado (seria recomendável, é claro, começar pelo primeiro). Não preciso dizer que o acesso é gratuito.”
Para quem sabe que é preciso manter o distanciamento social, mas sem perder a inteligência e a curiosidade jamais, boa viagem.