Era uma vez uma árvore grande e sem muitos cuidados - como tantas em Porto Alegre. Apesar do tamanhão, meio invisível em uma calçada da Rua Duque de Caxias. Devia estar lá há muito tempo, uma das moradoras mais antigas da rua, a se julgar pela imponência. Precisando de uma poda, cheia de fios passando pelos seus galhos, uma típica árvore porto-alegrense.
Um dia alguém teve a ideia de adotar a árvore. Alguns vizinhos se juntaram, donos de pequenos comércios da quadra aderiram. Fizeram uma vaquinha. Sem perguntar para ninguém, construíram um canteirinho em volta dela. Nada demais, um canteirinho de tijolos, como outros que a gente vê pelo centro quando as calçadas são largas o bastante para isso. O canteiro ganhou plantinhas ornamentais, até uma flor achou por bem se estabelecer por ali. E se abriu, escandalosa, pintando a rua de cor-de-rosa choque.
Os fiscais foram embora deixando os amigos do canteiro com a notificação na mão. Ali pertinho, um buraco no meio da rua já fazia aniversário. São coisas diferentes, secretarias diferentes, equipes diferentes, visões diferentes, quem sabe. Mas que a cidade não ganha com nenhuma delas, ah, não ganha mesmo.
A árvore entrou na vida das pessoas. Senhoras com carrinhos de compras sentavam no canteiro para um papinho à sombra. Estudantes indo e vindo paravam para trocar figurinhas do Brasileirão ou procurar um Pokémon extraviado. Tendo a Duque os seus barzinhos e sendo caminho para outros caminhos, o canteirinho tomou ares de sofá. Quem queria tomar uma cerveja antes de encarar a Cidade Baixa, quem esperava o Uber para ir embora, quem apenas queria um relax antes de seguir sem descanso pela noite. Tudo com hora para terminar. A Duque de Caxias é uma boêmia comportada, encerra cedo suas atividades noturnas.
Quando a árvore e seu canteiro já estavam mais do que incorporados à rotina da rua, chegou a ordem para desmanchar a tão pequena quanto inofensiva obra. A Prefeitura não autoriza esse tipo de iniciativa sob pena de a cidade virar uma esculhambação, cada um fazendo o que bem entende. Aqui cabe uma pergunta filosófica inspirada no famoso pensador Didi Mocó: cuma?
O canteiro caiu em algum dos artigos do Decreto 17.302? Talvez o 13: "Fica vedado o emprego de elementos construtivos (...) que possam obstruir a continuidade e circulação de pessoas nos passeios de calçadas, verdes complementares, próprios municipais e demais espaços de uso público e vias". Talvez tenha caído no artigo 14: "Toda e qualquer intervenção no passeio público localizado no Bairro Centro Histórico deve ser previamente submetida à análise do Município de Porto Alegre (...)". Talvez tenha caído nesses dois artigos e em mais vários, o perigoso canteiro construído em volta de uma árvore centenária que, até então, nunca tinha merecido a atenção de ninguém. Muito menos do poder público.
Se está na lei, não há o que discutir. Foi-se o canteiro e, com ele, a iniciativa dos cidadãos - que, não faz muito, foram conclamados a colaborar com a segurança e com a manutenção da cidade. Curioso é que o mesmo decreto que bota um canteirinho abaixo também diz, em seu artigo 1º, que os passeios públicos da cidade devem garantir a acessibilidade, "facilitando a livre circulação de pessoas com deficiência, em especial os usuários de cadeiras de rodas". Isso entre diversas outras especificações que até o mais desatento dos porto-alegrenses veria que está em total desacordo com o que se vê.
Os fiscais foram embora deixando os amigos do canteiro com a notificação na mão. Ali pertinho, um buraco no meio da rua já fazia aniversário. São coisas diferentes, secretarias diferentes, equipes diferentes, visões diferentes, quem sabe. Mas que a cidade não ganha com nenhuma delas, ah, não ganha mesmo.