Teve um tempo em que se dizia: mais sem graça do que dançar com o irmão. Pura verdade. Era a gloriosa fase das reuniões dançantes e a gente se apertava na roupa emprestada de uma amiga para variar o figurino, os pés doendo em um sapato de salto e o cabelo alisado à custa de uma touca que nunca ficava perfeita, um dos lados sempre mais rebelde. Um aparte: touca, aquela técnica em total desuso - acho - de dormir com os cabelos todos penteados para um lado só, feito uma touca em volta da cabeça. Na manhã seguinte bastava soltar e pronto, parecia que a criatura tinha nascido lisa. Essa coisa de não querer ter o cabelo que se tem vem de longe, como sabemos.
As meninas não são mais tiradas para dançar há séculos, fazem a festa do jeito delas e, se os meninos forem os caras bacanas que se espera, curtem também.
Depois de todo o sacrifício para se montar, nada podia ser mais deprimente do que não aparecer ninguém para dançar com a gente. O tão famoso quanto arcaico "ser tirada para dançar" atingia em cheio a autoestima no caso de não se ser tirada. Nessas horas, feliz de quem tivesse um irmão na mesma festa para quebrar o galho. Era sem graça e até um pouco humilhante, mas pelo menos dava para esticar as pernas por uma ou duas músicas. Tudo para não passar a noite sentada enquanto os pares se balançavam para lá e para cá.
Fico pensando na grande parte dos guris e rapazes e sujeitos com quem dancei só para não ficar esquentando a cadeira. Por que, por que, por quê? A absoluta maioria eu jamais olharia, nem cumprimentaria, não conversaria. Então por que me submetia à situação de quase intimidade das músicas lentas, um desconhecido com o nariz no meu pescoço enquanto a trilha da Renata Sorrah na novela tocava no três-em-um?
Naquelas noites, voltava das reuniões dançantes com os odores alheios grudados no nariz e na roupa. O carro do pai ficava recendendo notas de madeira com fundo de pinho, a fragrância masculina por excelência. Ainda bem que a indústria de perfumes não obriga mais os homens a cheirarem todos do mesmo jeito. Esquentar a cadeira não podia ser pior do que aquilo.
Nunca comentei em casa sobre os amassos inconvenientes e as mãos bobas. Não tocava nesses assuntos por pudor meu. Certo que ouviria um "mas guria, dá um chega pra lá nesses sem-vergonhas". Conversar lá no início teria me ajudado a dizer muitos NÃOS a mais na vida. Por isso é tão bom saber que as meninas de agora, mesmo as tímidas como eu fui, não aceitam mais esses abusos. Aliás, não são mais tiradas para dançar há séculos, fazem a festa do jeito delas e, se os meninos forem os caras bacanas que se espera, curtem também.
Sintomático desse pensar diferente, as alunas do último ano do Anchieta se rebelaram contra a tradicional lista das mais bonitas e gostosas do colégio feita pelos colegas. Melhor bunda, melhores peitos, a mais gata, a mais sexy, eita, cafonice. Precisa viver em um filme de colegiais norte-americanos de duas décadas atrás para achar graça nisso. Temos visto muitos retrocessos nesses dias, mas as meninas, que orgulho, avançam. E os meninos, os que entenderam a mensagem, estão indo com elas.
Voltando ao começo da coluna, se começar a tocar Shallow na festa, as amigas já tiverem formado pares e os guris legais estiverem dançando, é fácil. Basta chamar o irmão e dar a ele a honra de uma contradança. Vocês dois se divertindo juntos, pode crer: é uma graça.