Rafaela*, 30 anos, resolveu dar adeus ao cabelão e optar pelo corte chanel há cinco anos, após o falecimento da filha, Olivia, que tinha um ano e três meses. "Esperada e amada", como Rafaela descreve, a pequena sofria com uma doença generativa rara.
— Hoje, interpreto que mudei o cabelo porque precisava entender que aquela mulher-mãe-enfermeira-esposa não existia mais. Eu era uma outra mulher, sem saber bem quem, que precisava viver. E ver aquele mesmo rosto no espelho doía. Mudei. Precisava ver outra cara para aprender a ser outra versão minha e sobreviver à dor — avalia a mestranda em Relações Internacionais.
De visual novo, Rafaela sobreviveu. Engatou um relacionamento, voltou para a faculdade, se formou, entrou no mestrado e agora, com o companheiro, constrói a vida em outra cidade.
— Penso com carinho e orgulho na mulher que resolveu mudar o cabelo sem saber a dimensão que o chanelzinho ia tomar — afirma.
* O nome é fictício para proteger a identidade da entrevistada
De dentro para fora
Olhar para o espelho e se reconhecer faz parte do processo de conquista da autoestima. Por isso, o cabelo é considerado tão importante e impacta a vida da mulher de diferentes formas. E a vontade de externar no visual uma mudança que já aconteceu no íntimo é comum entre elas, segundo a psicóloga Caroline Gattermann. Em seu consultório, já presenciou transformações capilares em pacientes que terminaram relacionamentos ou que precisaram lidar com situações difíceis.
— Em terapia, no processo de ir construindo o autoconhecimento, vendo as potências em si, é comum elas cortarem ou pintarem o cabelo. E também pararem de pintar, assumindo o grisalho, ou de alisar, com o cabelo cacheado — relata a psicóloga.
Querer transformar a aparência nos finais de ciclos da vida pode ter a ver com um desejo de "fazer as pazes" com a própria história, reflete Caroline.
— Depois que a gente aceita o que passou, temos a possibilidade de fazer diferente. Essa mudança do cabelo pode ser um simbolismo de algo que já aconteceu por dentro. Ou mesmo um fator para impulsionar (a mudança), para rever a forma como eu me relaciono com o mundo e como me enxergo. É um reflexo de algo que está sendo construído dentro.
Novas versões
"Quando você vai pedir para reatar o namoro mas ela já ficou loira", "Para quê terapia se eu posso mudar o cabelo?" e mais brincadeiras como essas que circulam pelas redes sociais exemplificam o quanto as mudanças nos fios são significativas para muitas.
Mas, para além do humor, a importância de se reconhecer no espelho para superar desafios e celebrar diferentes fases é reforçada por todas as mulheres ouvidas nesta reportagem.
A recrutadora de tecnologia Isabelle Tiecher, 26 anos, lembra que as trocas de cabelo sempre marcaram fases de sua vida. No fim do ano passado, formou-se em Relações Internacionais e foi morar sozinha em Porto Alegre, duas "conclusões de ciclos importantes", resume.
— Me olhei no espelho e já não estava me sentindo mais eu. O cabelo que eu tinha não mostrava a minha personalidade e estava me sentindo meio apagada. Foi com a troca de trabalho e a adoção de uma gatinha, me tornando oficialmente "mãe de pet" (risos), que eu resolvi mudar — conta.
Um corte e algumas mechas depois, logo percebeu a melhora na autoestima.
— Foi um pontapé para iniciar novos hábitos e parece que tudo começou de fato com a mudança capilar — avalia.
Já para a designer Victória Dala Brida, de 25 anos, abandonar a faculdade de Veterinária em 2019, no sexto semestre do curso, foi um processo difícil . Por ter sido a primeira pessoa da família a chegar ao ensino superior, foi necessária muita coragem para seguir seu desejo.
Mas, quando o fez, sentiu que precisava celebrar. Nesse contexto, escolheu descolorir todo o cabelo.
— Depois de feito, eu estava muito feliz. Desde então, eu segui renovando a descoloração e mudando as cores. Meu psicólogo, inclusive, identificou um padrão entre nossas pautas e minhas mudanças de cor de cabelo — conta ela.
Decepções amorosas foram a razão que levaram a técnica em eletrotécnica Luma Gabriela de Oliveira, 21 anos, a cortar e pintar o cabelo.
— Tomei essa decisão porque eu não estava me reconhecendo mais, sabe? Como se eu tivesse perdido minha essência e precisava voltar a ser quem eu era, a Luma antes daquele cara — explica ela, que cortou 20 centímetros de cabelo e pretende pintar de castanho para marcar o aniversário no mês que vem.
Para a jornalista Jéssica Teles, a motivação foi a chegada dos 30 anos e um novo emprego. Foi assim que retornou ao corte pixie – ironicamente, um visual que já havia lhe causado um certo trauma na infância ("na época, eu odiei", lembra).
— Foi uma libertação gigante. Sinto que me desprendi de todos os padrões estéticos. Acredito que existe um tabu por trás do cabelo curto, principalmente, de que não é feminino ou que não gera um "desejo", sabe? Pela primeira vez em muito tempo, olho no espelho e amo o que eu vejo. Me sinto linda e forte com esse curtinho. Sem falar que é muito prático — conta.
*Produção: Luísa Tessuto