É impossível afirmar com certeza em que momento da história a prática da panificação começou. Alguns defendem que os pães foram inventados pelos egípcios, há cerca de 6 mil anos, quando teria sido descoberta a fermentação do trigo. Já outros acreditam que a receita seja datada em tempos ainda mais antigos, há mais de 12 mil anos, com raízes na Mesopotâmia, quando se iniciou o cultivo do trigo. Mas, podemos afirmar com certeza que, dentro dessa história, desde sua criação, a panificação nunca mais abandonou os hábitos culinários dos seres humanos.
Caminhando com o desenvolvimento da humanidade, o pão se tornou um dos alimentos mais populares em todas as sociedades ao redor do mundo.
Essa difusão pode ser comprovada pela alta diversidade de formatos e receitas, ilustradas em cada país com suas respectivas práticas de produção, como o sírio, o francês, o australiano, o marraqueta (chileno), o ciabatta (italiano) e o alentejano (português).
Ainda assim, mesmo sendo um alimento milenar, o pão tem sido reinventado por produtores e pela indústria gastronômica. Na última década, o número de padarias que têm optado por oferecer o produto com maior qualidade cresceu exponencialmente no Brasil.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (Abip), há mais de 70 mil padarias espalhadas por todo o país, muitas delas se apresentando como alternativa ao consumo de pães industrializados e propondo uma produção artesanal, com ingredientes de alta qualidade.
É o caso da Sabor de Luna, que funciona há 11 anos em Porto Alegre. A padaria uruguaia surgiu a partir de um sentimento de saudade dos tempos de infância, das medialunas de manteiga produzidas no país vizinho, além dos pães feitos com farinha pura através de um processo mais artesanal.
— Felizmente, o mercado mudou muito nesses 11 anos. Começamos meio solitários, precisávamos explicar para cada cliente os diferenciais dos nossos produtos. Hoje, o consumidor já está acostumado ao pão de qualidade e à fermentação natural — conta Tatiana Druck, sócia-administradora da Sabor de Luna.
Apesar da popularização do produto na versão industrial por parte da grande indústria no Brasil, principalmente no século 20, o diferencial na produção, ao longo dos últimos anos, fez com que, hoje, a Sabor de Luna seja uma das principais referências de panificação da capital gaúcha. Atualmente, são mais de 200 receitas distintas produzidas no estabelecimento, sete dias por semana.
— Paradoxalmente, evoluir na panificação significa retroceder, fazer o pão como antigamente. O pão saudável é aquele feito com farinha pura e crescimento natural da massa, levando de 10 a 48 horas, em uma técnica que intercala manobras manuais com períodos de descanso da massa, até resultar num pão de fácil digestão e de alta qualidade nutricional. Muitas padarias de bairro têm acreditado nesse conceito e produzido ótimos pães — explica Tatiana.
Essa visão de remodelamento de mercado é compartilhada por Luiz Américo Camargo, jornalista, consultor gastronômico e autor dos livros Pão Nosso e Direto ao Pão, que abordam a panificação artesanal.
Para Luiz, as tendências dos últimos anos dentro desse nicho estão voltadas principalmente para a fermentação natural e aos ingredientes orgânicos, além de pães de longa fermentação e farinhas de alta qualidade. Essas alternativas têm batido de frente com o chamado “pão apressado”, feito com misturas industriais pré-prontas e ainda muito presentes no mercado.
— Sem dúvida, há um movimento na direção da fermentação natural. Ela possibilita uma extração mais profunda de sabor e aromas e torna os pães mais digeríveis. Cada vez mais, pesquisas científicas mostram que ela facilita a absorção do glúten e reduz o índice glicêmico dos pães. E, claro, empresta ao pão todo um respeito, todo um status de alimento de alta qualidade — explica.
Mas, Luiz aponta que é importante que a massa seja bem-feita. A fermentação natural, por si só, não é responsável por tornar um pão automaticamente superior. É necessário que todo o processo seja de qualidade, em detrimento à rapidez e à rentabilidade. O padeiro deve saber escolher suas matérias-primas e usar métodos e processos adequados, conforme os ingredientes disponíveis.
— O padeiro precisa ser incansável na pesquisa, estar atualizado e consciente de que o aprendizado não tem fim, é constante. É preciso que ele goste de fazer pão, por mais absurdo que pareça. Ele precisa apreciar cada etapa da produção, que será sempre melhor do que meramente abrir um pacote de mistura pré-pronta, bater e assar — aponta o especialista.
A remodelação de mercado, no entanto, não é uma via de mão única. Além do grande interesse de padeiros e casas especializadas na produção de pães no processo de fermentação natural e em insumos saudáveis e de qualidade, os clientes também têm apresentado maiores demandas por alternativas ao consumo de industrializados.
— Consumo de alimentos também é educação e cultura. Quanto mais informados estivermos, melhor serão nossas escolhas. Quanto mais opções, maior a liberdade. Hoje, vemos um público mais consciente, buscando mais saúde e exigindo cada vez mais sabor e qualidade — defende Tatiana.
Essa tendência não se trata de uma onda momentânea, tampouco de modismo. Afinal, o pão sempre caminhou ao lado do ser humano em todo seu processo de desenvolvimento como sociedade.
— O pão sempre esteve entre nós. Pode ser que tenha havido uma onda mais glamourosa, de uns anos para cá, e o recente “boom” do pão caseiro na pandemia. Mas acho que ele vai além das patotas, dos nichos hipsters. Ele é um alimento do cotidiano e que transcende preferências fugazes e modas — acredita Luiz.