Lugar de mulher é na cozinha! Quem é que nunca ouviu? Trata-se de uma frase ambígua, mas, ainda que não levemos para o lado desdenhoso – afinal, queremos ocupar o nosso lugar na cozinha –, historicamente nunca foi bem assim. O machismo, o sexismo e a misoginia sempre fizeram parte do dia a dia das mulheres que tentaram corajosamente ocupar o seu lugar na cozinha.
Nunca foi fácil. Sempre foi desafiador, sofrido e doloroso. Até aí tudo bem, quem é que imagina que a vida de um cozinheiro é fácil? O glamour é pura ilusão de ótica e só convence os incautos. Na vida real, na labuta diária, a realidade é dura. E sobre isso, concordamos que não há distinção, cozinheiro é cozinheiro, homem ou mulher, somos cozinheiros da mesma maneira. Os desafios, nós mulheres e cozinheiras, enfrentamos com força e perseverança. As dores, sejam as causadas pelas queimaduras, os cortes ou as topadas, enfrentamos com coragem e determinação. O preconceito enfrentamos com competência, muita capacidade e uma habilidade muito própria para resolver os problemas. Temos a nosso favor um tal sexto sentido, que talvez possa ser comparado ao umami dos sentidos. Aquele que evidencia a essência, potencializa o sabor e expõe o sentimento com clareza.
Simone de Beauvoir evidenciou como poucas o valor deste sentido. E muito provavelmente, hoje em dia, dividiria o mesmo pensamento que dividiu com o mundo na sua geração: “Que as mulheres sejam reconhecidas como seres humanos que estão em busca de valores, em um mundo de valores”. Me parece uma grande frustração imaginar que, em pleno 2020, Simone de Beauvoir se sentasse novamente numa das pequenas mesas do Deux Magots, em Paris e, após alguns instantes de observação, chegasse à triste conclusão de que pouco mudou. Não mudou muito mesmo, Simone. Mas nós tampouco desistimos. Somos todas um pouco Simone: “Que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância, já que viver é ser livre”.