Cientistas da cozinha, como o francês Hervé This, sempre criticaram o fato de os humanos terem conseguido proezas como mandar astronautas à Lua, mas ignorarem o que acontecia na química de um mero suflê. A frase, já antiga, é boa e, para mim, dá margem a diferentes interpretações.
Uma delas: sempre imaginamos que as novidades devam ser mirabolantes, enquanto eles podem ser simples, e estar mais por perto do que presumimos. Comento isso pensando que evoluções, revoluções, futuros, não estão só ligados à tecnologia. Mas podem ter a ver com portas diferentes que se abrem, com outras formas de olhar. E aí, peço permissão para falar de um evento do qual sou curador há quatro anos, o Taste of São Paulo.
A proposta é reunir os melhores restaurantes e bares da cidade, em diferentes segmentos, para que o público coma e beba muito bem, e tenha uma ótima noção do panorama paulistano. Além de contar com estabelecimentos consagrados e com ótimas casas emergentes, nesta edição (a partir do dia 16/8) conseguiremos retratar, por intermédio da ONG Migraflix, uma cena vibrante e ainda pouco explorada: a da culinária de imigrantes e refugiados recém-chegados ao Brasil. São cozinheiros talentosos, vindos de países sobre os quais ainda sabemos pouco.
E, ao provar os pratos que estarão no evento, tive gratas revelações com especiarias, com jeitos diversos de usar frutas, com cocções que fogem do padrão da cozinha brasileira – ou das tradições italianas, francesas, ibérias, japonesas, que identificamos melhor. O manejo dos condimentos à maneira do Paquistão ou do Irã; o contraste entre doce e salgado nas visões do Congo ou de Uganda; o cordeiro temperado à moda saudita; e a energia dos pratos triviais de Haiti, Venezuela, México e outros mais, que me fazem ver como o “surpreendente” pode estar ali, pela vizinhança. Só dependendo da nossa curiosidade, da nossa disposição em experimentar novas fronteiras – ou melhor, em derrubá-las.
Seria correta a mera associação entre o que é “novo” com o que é apenas “desconhecido”? Não sei. Mas o fato é que o nosso repertório se renova, e o apetite ganha ainda mais força.
** Luiz Américo Camargo é crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
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Se você gosta de comer e beber bem, e de falar sobre isso, vai gostar também do nosso podcast. O Foodcast é um papo descontraído da equipe de Destemperados sobre gastronomia, dá o play aí!