O empresário gaúcho Eduardo Bier sempre se considerou um empreendedor: foi dele a primeira loja de conveniências de Porto Alegre, a General Store. Em 1995, ele ousou ao abrir uma microcervejaria do país, utilizando o método de pureza alemã. A Dado Bier foi a pioneira do segmento e se tornou uma referência no mercado nacional de bebidas.
Como surgiu a Dado Bier?
Por causa do nosso sobrenome, Bier, eu e meus primos brincávamos que os nossos antepassados teriam sido cervejeiros, porque os ofícios davam nome às famílias de origem alemã. Por conta disso, dizíamos que era nosso dever retomar esse negócio, mas não passava de uma brincadeira de família. Com o passar dos anos, fui trilhando uma carreira empreendedora e tive uma série de negócios. Em um determinado momento, meu tio Jorge Gerdau me perguntou: “Dado, quando tu vais fazer a tua cervejaria?”. Eu respondi que abriria quando tivesse recursos para investir, mas sem muita crença. E retrucou: “e se eu te ajudar nesse projeto de empreendimento?”. Isso foi no Natal de 1992 e, em janeiro de 1993, ele me questionou de novo. Eu não tinha a mínima ideia do que estávamos falando, porque não havia internet, o mercado estava concentrado nas mãos de duas empresas. Então não sabia como entrar nisso.
Eu topei estudar o assunto e fui para a Europa, onde fiz a trilha cervejeira, passando por Alemanha, República Checa, Irlanda, Reino Unido, Bélgica e Holanda. Nesses lugares, percebi que havia dezenas de pequenas cervejarias, vi um mundo de produção de pequena escala e qualidade, e voltei fascinado para o Brasil. Falei para o meu tio que realmente existia uma forma de diferente de se produzir a bebida. Em 1993, antes de abrir a Dado, eu fui paro os Estados Unidos e percebi que os norte-americanos faziam um trabalho semelhante àquele que tinham feito com o vinho na região do Napa Valley; era um momento de renascimento da cerveja artesanal. Lá, conheci pessoas importantíssimas da área. Após ter contato com os berços da cerveja e com esse movimento coordenado, comecei a formular o projeto da Dado Bier e, em março de 1995, lançamos a marca em Porto Alegre.
O que mais chamou a sua atenção na relação dos alemães com a cerveja?
A Alemanha tem uma relação de respeito e consumo muito grande. Na Bavária, que foi onde passei mais tempo, eles consomem cerca de 300 litros de cerveja por ano. Isso é quase três vezes o que um país desenvolvido consome em média. Além disso, há um trabalho cervejeiro secular, muito bem elaborado e diferente do que a grande indústria brasileira fazia, principalmente pela lei de pureza que rege a produção por lá. Foi muito interessante esse aspecto cultural.
Depois desses 23 anos, vocês ainda se consideram uma cervejaria artesanal?
No Brasil não existe uma definição do que é cerveja artesanal. É uma criação norte-americana, porque na Europa existe apenas cerveja. Nos Estados Unidos, a Brewer’s Association (Associação de Cervejeiros) traz uma conceituação com alguns fatores limitantes. Então, se eu utilizar essa definição, ainda somos.
Como a sua relação com a cerveja mudou depois que você começou a trabalhar na área?
Mudou muito porque me envolvi inteiramente no assunto durante toda a minha vida. Já experimentei tanta coisa e há um envolvimento profissional. Naquela época, não havia o mercado e a competição que há hoje. Passei por muitas experiências positivas e negativas que me fizeram enxergar o mundo de outra maneira.
Qual a responsabilidade de ser a primeira microcervejaria do Brasil, seguindo o Decreto de Pureza da Baviera?
Sempre tive consciência da responsabilidade de estar fazendo algo novo, inspirado no que vi nos Estados Unidos, porque o modelo europeu é baseado na tradição milenar e não tinha a presunção de trazer isso para o Brasil. Nós trilhamos muitos dos caminhos que alguns cervejeiros percorrem hoje em dia, facilitando as coisas. Estou sempre conversando com pessoas e durante todo esse tempo, participei de vários projetos, congressos e conferências para desenvolver o setor. Acredito que consegui deixar uma marca.
Quais foram as principais dificuldades?
A questão de burocracia, do preço para conseguir insumos e alta tributação, principalmente no começo, que nos fez mudar de planos ao longo da nossa história. Além disso, a relação de preço e renda, que sempre me preocupou no mercado brasileiro e é algo muito diferente dos locais nos quais visitei. Nós temos cervejas artesanais que são muito caras e muitas vezes as pessoas não têm poder aquisitivo para pagar os valores. Então eu sempre soube que o mercado não seria muito grande.
* Conteúdo produzido por Eric Raupp