Não só brotinhos, avocado, kimchi e PANCs têm sido recorrentes no trabalho de uma nova fornada de chefs. Existe um apego ao termo “cozinha autoral” que vem dando o que pensar. Em primeiro lugar, o que é autoral? É conceber as coisas com uma linguagem muito pessoal? É dar um “toque pessoal” na comida? Ou o referido autoral virou mero (e vago) rótulo, como italiano ou francês?
Se um cozinheiro apresenta um prato com carne grelhada, uns vegetais assados, farofa, já pode se considerar um autor? Será que aquilo que envolve uma ideia trivial, de domínio público vale tal qualificação? Ou pode ser assim classificada se o chef fizer as coisas “do jeito dele”? Da minha parte, tenho visto cada vez mais bifes com legumes sendo apontados como autorais…
Um ótimo cozinheiro deveria ser, acima de tudo, um bom intérprete. Cantar e tocar bem uma canção vêm antes de saber como escrever melodias e letras próprias. Se o artista evoluir para uma condição de grande compositor, melhora ainda. Mas a base é executar com competência. Gualtiero Marchesi, que, entre outras coisas, há anos teve a ideia de subverter o ravioli, preparando-o e servindo-o aberto, certamente pode ser denominado um autor. Saindo da alta cozinha europeia: e Rodrigo Oliveira, do Mocotó, que um dia criou o dadinho de tapioca com queijo coalho (certamente o petisco mais imitado do Brasil), merece ser chamado de autor? Penso que sim.
Todo chef é cozinheiro. Mas cozinheiro só é chef se: lidera uma brigada; tem o controle das fichas técnicas de pratos; domina receitas (suas ou não); estabelece processos; cuida dos insumos; monta cardápios; sabe definir preços. De forma semelhante, podemos estabelecer diferenças entre intérprete e autor (embora existam também os intérpretes-autores) e refletir se o termo autoria não anda sendo vulgarizado.
Não quero tolher a inventividade da nova geração. Mas cozinhar com técnica e com sabor, reproduzindo um clássico ou propondo um menu vanguardista, é a condição mínima para um profissional. Está acima da “assinatura”. Interpretar bem é indispensável. Ser autor é para quando fizer sentido.