*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Belarmino Iglesias, falecido nesta semana aos 85 anos, foi um dos pais fundadores, por assim dizer, da cena gastronômica paulistana. Nascido na Espanha, chegou pobre ao Brasil e construiu um império com seu Rubaiyat, fundado em 1957. Com trabalho árduo e forte intuição, foi um revolucionário da comida e do serviço na cidade, e ajudou o segmento na formação de equipes, na consolidação do negócio, na profissionalização do setor.
Os atributos de Belarmino como empresário, figura pública, expert em carnes (da criação do boi ao corte grelhado no prato), foram muitos. Mas eu quero me concentrar num ponto: como ele cuidava bem dos seus visitantes. Não me canso de relatar um hábito que ele manteve inclusive já rico e consagrado: sentado num banquinho, perto da entrada do Rubaiyat da Alameda Santos, ele ficava de olho em tudo: a cara de satisfação (ou não) da clientela, a dinâmica dos garçons, a falta de um detalhe ou outro. E sempre aparecia para corrigir, melhorar.
Relembrando passagens e histórias curiosas sobre Belarmino Iglesias, ouvi o seguinte relato: um amigo almoçava e achou que a carne estava dura, o que comentou com seu acompanhante (nem foi uma reclamação, portanto). Um garçom passou, ouviu, já se prontificou em trocar o prato. Depois, surgiu o maître, pedindo desculpas. Por fim, apareceu o próprio Belarmino, já providenciando um novo corte e se recusando a cobrar a conta. Sob o teto dele, ninguém podia deixar a mesa insatisfeito. Tempos mais românticos? Talvez.
Eu sei que existem clientes grosseiros, inconvenientes, afetados. Que muitas vezes não têm razão em certas demandas – embora demandas, na gastronomia contemporânea, onde não raro cabe ao comensal apenas obedecer (estou exagerando, ok?), soem quase como ofensas. Que o bordão "o freguês tem sempre razão” precisa ser relativizado. Mas queria deixar aqui um contraponto: como era reconfortante ter o Belarmino por perto, preocupado em saber, acima de tudo, se você comeu bem e foi bem atendido. Torço para que sempre haja alguém disposto a levar esse exemplo adiante, pelos salões do Brasil.
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