*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Encontro, em dois dos meus veículos estrangeiros preferidos, notícias quase antagônicas sobre o mesmo tema. Nesta semana, as seções de comida do britânico Guardian e do americano New York Times tratam da comida “bem passada”, dourada, tostada. O Guardian destaca estudos que alertam para os riscos cancerígenos que os queimadinhos podem trazer a quem os consome. O NYT aborda como esses sabores são sedutores e têm conquistado inúmeros cozinheiros.
O perigo, aponta o periódico inglês, não se esconde nos pratos copiosos. Ele pode estar nas inofensivas torradas do café da manhã, nas deliciosas batatas que comemos com a carne no domingão. O nome do vilão é acrilamida, uma substância gerada a partir da exposição de amidos a altíssimas temperaturas. A solução? Tentar levar a cocção a um limite mais seguro, sem a queima excessiva desses alimentos. Simples assim? Do ponto de vista gustativo, claro que não: douradão é mais gostoso. É importante sublinhar que as pesquisas não são definitivas (torçamos, portanto, para que elas façam parte do mesmo hall de alarmismos furados que um dia condenaram o café, o ovo e a manteiga).
Já o jornal americano desfia as maravilhas produzidas pela caramelização dos alimentos. E como um cozimento capaz
de ressaltar os tostados pode levar um prato aos mais elevados níveis. Sem deixar de lembrar que as notas quase queimadas fazem parte de antigas e variadas tradições culinárias (e toca, com ceticismo, na questão da acrilamida).
O que eu penso sobre isso? Bom, como entusiasta de pães, sou defensor das crostas douradas, do forno alto. É lá que
reside a personalidade da massa, que se cristalizam os mais deliciosos segredos revelados pela fermentação. Do mesmo
modo, aprecio uma carne muito bem marcada dos dois lados, profundamente dourada, e suculenta por dentro. Agora, é evidente que é melhor não comer carvão: não é agradável, nem nutritivo. Assar muito bem, tostar, é uma coisa; carbonizar, é outra. O tal do equilíbrio, em suma, parece que continua sendo a chave.
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