*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Nos livros, nos filmes e até nos desenhos, a visão que se tinha do futuro, décadas atrás, desenhava em geral uma realidade “intergalática”. Eram naves levando gente para lá e para cá, robôs e (argh!) pílulas substituindo a comida.
A perspectiva contemporânea do que poderá vir a ser o futuro, por sua vez, aponta mais para a mobilidade da informação do que das pessoas, e confirma uma inevitável vida digital, 24 horas online (alguém lembrou de Black Mirror?). As projeções para a comida, por outro lado, evocam coisas (de novo: argh!) como o misterioso Soylent, a bebida “nutritiva” dos geeks do Vale do Silício.
Diante disso, foi com certo alento que li na imprensa francesa que chefs como Alain Ducasse e Thierry Marx desenvolveram pratos “de verdade” para consumir no espaço. A motivação dos cozinheiros foi a viagem de um compatriota, Thomas Pesquet, que decola para uma aventura de seis meses. O astronauta vai para Estação Espacial Internacional, em órbita a 360 km da Terra (um francês não participava de uma missão assim desde 2008).
Os chefs capricharam: tem bochecha de boi à bourguignon, supremo de frango com cogumelos morilles, língua de vitela e outras coisas mais. Por trás da iniciativa, fora a assumida motivação nacionalista, houve muita pesquisa. Os testes levaram dois anos, até culminar com a produção de 4 mil porções, entre 80g e 200g cada uma. Os pratos são desidratados e depois conservados em latas (ou mesmo liofilizados). Na hora de regenerar a comida, basta misturar com caldos – de vegetais, a maioria. A proposta é que possam durar dois anos à temperatura ambiente, com segurança.
No espaço, explicam os cozinheiros, a percepção gustativa é mais difícil. E, para potencializar os sabores, a solução foi tradicional: reduções, caldos apurados, generosidade nos temperos. Embora a intenção fosse levar a cuisine française para além da fronteira terráquea, Ducasse confessou que o melhor resultado para ele foi obtido com... uma italianíssima caponata.
Se o tal futuro aponta mesmo para uma possível vida interplanetária, bom saber, ao menos, que haverá chance de comer bem.
LEIA OUTROS TEXTOS DE LUIZ AMÉRICO CAMARGO
// Um sorriso, por favor
// Para além do Nobel e das estrelas