*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Burrice charmosa é uma expressão cunhada décadas atrás (nos tempos de ouro de Hollywood, presume-se) para designar aquele tipo de pessoa – normalmente bonita e famosa – que faz da desinformação uma atitude glamourosa.
Por aqui, o termo virou moda no fim dos anos 70, ainda na ditadura militar. Ser alienado, não estar nem aí, não querer nem saber, desde que com graça, era algo cool. Pois bem. Lembrei desse tipo de cacoete para traçar uma analogia com um certo “desperdício charmoso”. Vocês já vão entender.
Visualizem um salão de restaurante, algum que costumem frequentar. Pode ser chique, despojado, “do momento”. Agora, puxem pela memória, caso já tenham reparado, e constatem: o que sobra de comida à mesa é algo para se preocupar.
Quantas vezes deparamos com o famoso “estou com pouca fome”, ou com o clássico “estou de dieta”? Pois então. Isso se reflete em pratos que voltam à cozinha pela metade e pães quase inteiros – estes, as maiores vítimas do desperdício –, que tiveram “só a pontinha” arrancada. Não raro, por pura afetação, só para sobrar, mesmo.
Como se resolve? Em várias frentes. Primeiro, buscando (via profissionais, imprensa, escolas) uma consciência de que, hoje, temos de aproveitar um boi do rabo ao focinho; que não podemos nos dar ao luxo de perder cascas, folhas, raízes; e que não dá para descartar tubérculos e frutos “feios”. Segundo, creio que pode partir do próprio chef uma revisão do porcionamento: por que doses gigantes, verdadeiros pratarrazes? E tentar transmitir esse recado aos clientes – inclusive porque é algo que pode gerar alguma redução de preços.
Terceiro, é o lado do comensal. Ninguém, claro, é obrigado a comer sem fome. Mas, para isso, que tal dividir um prato?
No caso daquela vontade do pãozinho sempre reabastecido no couvert, reflitamos. É preciso mesmo pegar mais um? Ou
é só pela casquinha? Fatias e filões que vão para o prato do cliente, é bom destacar, não podem retornar para a cozinha. Não estou dizendo para ninguém fazer das refeições algo patrulhado, regrado. Mas vamos transformar o desperdício charmoso numa, sei lá eu... curtição consciente?
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