*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Homem público admirável, o arquiteto Jorge Wilheim (1928-2014) certa vez me disse uma frase da qual nunca esqueci: “Em urbanismo, primeiro a gente sonha; depois, vê se é viável”. Não só concordo como levo a observação para todas as áreas. Tudo começa pelo sonho. E, quando deparamos com iniciativas que são a materialização de desejos e ideias, é emocionante. Estou falando da Casa do Porco, recém-inaugurada pelo chef Jefferson Rueda, em São Paulo.
Rueda ficou conhecido por sua trajetória no Pomodori e no Attimo, além do Bar da Dona Onça, criado e liderado por sua mulher, Janaina. É um cozinheiro de personalidade, que gosta dos sabores potentes e de conciliar inventividade e respeito ao passado.
Ao longo dos anos, contudo, o chef se tornou um incansável pesquisador da carne suína – e, assim, encontrou sua verdade gastronômica, impressa em cada detalhe do novo bar/restaurante.
Destrinchando o bicho em toda sua generosa anatomia, Rueda criou um repertório de pratos que extrapola fronteiras e convenções. Isso já se reflete no ecletismo do espaço: há uma janela para vender sanduíches a quem está na rua, mesas coletivas, balcão de bar, mesas privativas e uma mesa “do chef” para menus-degustação. Um sólido conceito que abarca comida, sustentabilidade, decoração, acessórios e equipamentos de cozinha.
Abro um parêntese para citar o escritor canadense Malcolm Gladwell. Na obra Outliers, ele mostra uma visão peculiar da genialidade, a “teoria das 10 mil horas”. Para ele, gênios surgem não só pelo talento, mas se revelam depois de muita prática de suas expertises. Mozart, Beatles e Bill Gates, portanto, só viraram o que foram após trabalho intenso. Nem imagino quanto tempo Rueda já dedicou aos suínos. Assados, embutidos, surpresas como a pipoca de pele e o sushi de papada, entre outras criações, são deliciosos e, de tão bem preparados, parecem naturais, espontâneos. Enfim, o chef sonhou (e praticou) por muitas temporadas com carcaças e mais carcaças. Até que, um dia, amanheceu com a Casa do Porco.