*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Vinho vai bem com salumeria? Com queijos? Com pão? Concordamos que sim, imagino. Então, por que muitos estranham o hábito de beber tintos e brancos com sanduíche? Ou, no mínimo, nem sempre lembram dessa possibilidade? Eu arriscaria um palpite. Resumindo, talvez seja um ponto de vista do tipo “sanduíche é informal, vinho é formal”. Não deveria ser assim. Promover a harmonia entre os dois é só questão de fazer escolhas coerentes, com pesos e propósitos semelhantes. Eu, particularmente, aprecio bastante a combinação.
Quem assistiu ao filme Sideways deve lembrar da famosa cena em que o protagonista abate um château de primeiríssima com um hamburgão, de forma até desleixada (ok, tinha um contexto). Também não precisamos chegar a esse ponto.
Mas por que não unir um belo sanduba de embutidos a um trivial Beaujolais ou a um tinto jovem do Loire e outros mais? Eric Asimov, colunista do The New York Times, abordou o tema recentemente – ele adora sanduíches com vinho. E vai adiante: para ele, existe um tipo certo para cada receita. Longe de mim discordar do especialista. Mas creio que aí já é filigrana demais.
Tomando o hambúrguer como exemplo: a influência da cultura americana, em especial, o transformou em parceiro quase inquestionável da cerveja. A ainda crescente voga das hamburguerias old school, assim como a cena dos food trucks, ajudaram a reforçar a parceria. Eu também gosto, e prefiro meu burger (do ponto para mal passado) na companhia de uma IPA, acho que funciona bem. Mas por que não poderíamos variar abrindo um tinto italiano, um português, servindo nosso rótulo favorito do dia a dia?
Sobre o ritual, eu defendo o despojamento, a dessacralização – com respeito, é claro. Não precisa fazer a linha “lobster roll com Chablis em taça de cristal”, não precisa mistificar. Basta separar copos simples, de bar, sem haste (como nos bares italianos e espanhois), ou tacinhas ao estilo dos bistrôs; pinçar vinhos gostosos e fáceis de beber, jovens, sem muita madeira (ou nenhuma). Você vai ver como cada gole melhora a mordida. Ou a mordida melhora o gole?
