Se você acha que a vodka é a bebida nacional dos russos, bem, você achou errado. Ainda que esse destilado seja, muitas vezes, a primeira coisa que a gente pensa sobre o país que vai sediar a Copa daqui a alguns dias, o título de bebida nacional do país pertence ao kvass. O nome pode parecer estranho, mas faz parte da cultura da Rússia há milhares de anos. É tão importante que é mencionado em vários clássicos da literatura de Dostoievski, Tolstói e Tchekhov.
O kvass é uma bebida fermentada, feita originalmente com pão de centeio, água e ervas. Seu nome, no idioma original, é квас e significa justamente "fermento". O processo de fabricação é semelhante ao da cerveja, mas esta iguaria tem um teor alcoólico muito baixo, que geralmente varia entre 0,05 e 1,44%. Por isso, é considerada não-alcóolica por lá, onde é consumida como uma espécie de refri e também é usada como ingrediente em pratos tradicionais como a sopa fria okrochka.
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A primeira menção histórica à bebida ocorreu em 989, quando o príncipe Vladimir de Kiev, após seu batismo (a etapa final da cristianização das populações da Europa Oriental que viviam nas regiões que hoje fazem parte da Ucrânia e da Rússia) servir aos convidados "alimentos, mel em barril, kvass e pão”. Assim como muitas tradições russas, há misticismo envolvido em sua história. Reza a lenda que ele surgiu por acaso: um saco de grãos perdido teria ficado molhado e eles começaram a crescer, até que um fazendeiro decidiu guardar o produto e fazer uma farinha com ele. Como não conseguiu fazer pão, adicionou um pouco de água, deixou o líquido ferver e… surgiu o kvass.
A versão mais realista e aceita pelos historiadores aponta que o kvass foi criado pelos camponeses, num período de escassez e necessidade de reaproveitamento de alimentos básicos. Pela facilidade de produção e benefícios que traz ao metabolismo, principalmente ao sistema gastrointestinal, passou a ser produzido em mosteiros, quarteis e hospitais. A origem caseira, contudo, não era bem vistas por todos. Os vizinhos e rivais da Suécia, por exemplo, usavam o fato como insulto: eles contavam que enquanto os suecos, em suas belas casas de pedra e palácios agradáveis, tomavam vinho e outras coisas caras, os russos sentavam-se em seus casebres com kvass e água.
Isso não quer dizer que ele não era consumido pelos mais ricos. Na verdade, no século 18, esta era especiaria mais popular entre todas as classes da sociedade e era adorada até mesmo pelo czar Pedro, o Grande. A produção comercial só teve início no início do século 20, atingindo seu ápice durante a União Soviética, quando se entrou em uma nova era de fabricação em massa. Por lá, nem a Coca nem a Pepsi podiam ser compradas, e a tradicional iguaria alcançou vendas altíssimas: a bebida passou a ser comercializada nas ruas, em barris. Ficou então conhecido como "a Coca Cola Comunista".
Com o fim do bloco soviético e a introdução de refrigerantes nos Estados originados, o consumo caiu, mas a bebida nunca foi esquecida. Desde então, o kvass é entendido como um símbolo de patriotismo e uma forma de resistência aos produtos norte-americanos.
* Conteúdo produzido por Eric Raupp