Sentados à mesa de um bar e com copos de cerveja nas mãos, jovens na faixa dos 20 e poucos anos cantam os versos de Cavalo Preto, música gravada pela primeira vez em 1946 pela dupla sertaneja Palmeira e Luizinho. Um vídeo do momento foi postado no TikTok e logo viralizou por outras redes sociais. Poderia até ser pela estranheza da cena, afinal, é difícil imaginar a canção embalando a noite de um grupo de millennials. Mas foi justamente pelo contrário: porque cenas como esta se tornaram comuns. A música é trilha sonora de Pantanal, novela da Globo que chega ao capítulo cem nesta quinta-feira (21), às 21h30min, com o mérito de ter se tornado um fenômeno entre espectadores mais jovens.
O folhetim, remake da produção original exibida nos anos 1990 pela TV Manchete, vem semanalmente batendo recordes de audiência, e boa parte dela vem de quem ainda não passou dos 30. Conforme dados da emissora, quase metade dos espectadores entre 15 e 29 anos que veem televisão aberta na faixa das 21h está assistindo a Pantanal. A estatística pode ser sentida ao rolar o feed de redes sociais como o Twitter, terra fértil para usuários nesta faixa etária, onde a hashtag que direciona às publicações relacionadas à novela marca presença diariamente no ranking de assuntos mais comentados.
Esta é uma característica de espectadores jovens, conforme aponta a professora titular do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Veneza Ronsini, especialista em recepção e consumo audiovisual entre a juventude. A prática de estender as discussões sobre as produções assistidas para o ambiente virtual, ela diz, é quase intrínseca ao hábito da audiência mais nova. Em menor medida, é prática também de um público mais velho, por isso já atingia as telenovelas. A diferença agora, analisa a pesquisadora, é a proporção inédita que o gênero novelístico vem tomando nas redes sociais a partir de Pantanal — algo que, aí sim, ela atribui aos jovens.
— Não é propriamente uma novidade, pois tem pelo menos uns quatro anos que a gente observa essa nova forma de ver a telenovela. Já era uma tendência antes de Pantanal, mas, quando a novela tem audiência entre o público jovem, é natural que ela apareça muito mais nas redes, porque a forma como a juventude vê televisão é sempre com uma segunda tela, comentando nas redes sociais — explica.
Para Clarice Greco, professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Paulista (Unip) e autora do livro Virou Cult: Telenovela, Nostalgia e Fãs (Jogo de Palavras), essa onipresença da novela nas redes sociais é um dos principais responsáveis por ela ter se tornado fenômeno entre o público mais jovem. É quase como um sistema que se retroalimenta: são os jovens que levam Pantanal para a web, e é o fato de estar na web que leva mais jovens a Pantanal.
A pesquisadora explica que isso ocorre pelo já conhecido desejo humano de pertencer. Ninguém gosta de ficar fora da rodinha e, se no momento o que se fala na rodinha é de Pantanal, é natural que as pessoas procurem se apropriar do tema para, assim, também estar aptas a participar do grupo.
Foi exatamente o que levou a estudante de Veterinária Roberta Ramos, 26 anos, a começar a assistir à novela. Fã de séries como Breaking Bad, The Walking Dead e Dark, a porto-alegrense nunca foi noveleira, preferindo sempre o streaming à TV aberta, mas não conseguiu passar ilesa pelo bombardeio de postagens sobre Pantanal que apareciam em seu feed.
— A novela me pegou porque estava todo mundo falando disso. Foi que nem o Big Brother, que fazia anos que eu não assistia, mas teve um boom e todo mundo começou a falar sobre Big Brother. Aí, ficava numa rodinha todo mundo comentando, e eu sem poder opinar. Pela necessidade, por ter todo mundo na minha volta assistindo àquilo ali, eu resolvi assistir para poder participar — conta.
A "pegada", porém, foi tardia. Roberta não acompanhou a novela desde o início, mas pôde recorrer a um velho conhecido seu para se atualizar: o streaming. Os capítulos de Pantanal estão disponíveis no Globoplay, e foi lá que ela maratonou a trama até chegar ao ponto em que está sendo exibida atualmente na TV. Mas, apesar de o burburinho ter sido o pontapé inicial para que começasse a assistir, a nova noveleira só seguiu fiel ao folhetim porque, apesar de retratar um ambiente rural e completamente distinto da sua realidade, os temas abordados lhe são caros.
— Comecei a gostar porque traz uma história que parece de época, mas que também parece dos dias atuais; que traz assuntos relevantes atualmente, mas também traz a rusticidade do Pantanal. Aí fui me apaixonando pela história e assistindo, assistindo, assistindo... — diz.
A opinião é compartilhada pela professora de Física Paula Schmitz, 25 anos, que também destaca a atualidade que foi trazida ao remake. Mas, diferentemente de Roberta, ela começou a assistir à novela por influência da mãe, que já havia visto a trama original.
— Comecei a assistir porque a minha mãe queria que eu visse com ela, mas, no fim, eu vejo mais do que ela. Acho que me cativou porque traz discussões atuais e uma roupagem diferente daquela da primeira versão. Por exemplo, uma das cenas que achei mais impactantes foi a da queima do Pantanal. Isso mostra que a novela se modernizou bem e está trazendo esses temas importantes — diz a porto-alegrense, que tem um grupo de WhatsApp com os amigos exclusivamente para comentar os capítulos do folhetim.
Conforme a pesquisadora Clarice Greco, essa confluência geracional é característica dos remakes, que não raramente costumam reunir pais e filhos em frente à televisão e são como um ritual de afeto. Contudo, o que faz com que os filhos permaneçam mirando o televisor é exatamente o que Roberta e Paula relatam: a capacidade de a produção fazer sentido ao espectador, independentemente da faixa etária.
Veneza Ronsini avalia que, nesse sentido, o remake de Pantanal carrega o mérito de ter sido bem adaptado à realidade atual, de modo que consegue cativar o público da trama original e este novo, mais atento aos temas abordados nas entrelinhas do arco de cada personagem. Estão na novela discussões sobre racismo, homofobia, machismo, diferença de classes e os impactos do agronegócio no meio ambiente, entre outras.
O próprio casal de protagonistas, Juma (Alanis Guillen) e Jove (Jesuíta Barbosa), analisa a pesquisadora, pode ter cativado os espectadores mais jovens por romper com padrões normativos de gênero. Afinal, há uma nítida inversão nos papéis normalmente associados ao homem e à mulher no comportamento de cada um deles na relação.
— O público mais jovem não quer saber desse romantismo ultrapassado. Porque o romantismo, como conceito, é uma coisa conservadora, heteronormativa e que delimita muito os papéis de masculino e feminino. Acho que essa quebra é muito importante para as novas gerações. E, nesse sentido, a novela, ao mesmo tempo em que propõe uma mudança de costumes, também acompanha as mudanças que já estão aí. A nossa juventude já está vivendo isso, então é muito mais fácil ela acompanhar uma novela que tenha esse tipo de posição — diz Veneza.
As duas pesquisadoras concordam que, para além de tudo isso, há ainda um ponto bastante simples: Pantanal já era um sucesso. Quando foi exibida originalmente, o público jovem da época também assistia à novela. Muitos são os fatores que podem explicar esse estrelato, desde o apelo às imagens da natureza, que tendem a atrair por gerar conforto, até o bom uso da música e a curiosidade sobre a região pantaneira, pouco conhecida por grande parte dos brasileiros, entre outros.
Também concordam que o sucesso feito agora pelo remake vai subir a régua para as produções vindouras. Não há como prever se disso nascerá uma nova geração noveleira, que a partir de Pantanal vai continuar a assistir ao gênero e garantir a audiência do novo folhetim. Só o que é possível afirmar é que o desafio vai ser grande.
— A próxima trama está encrencada — brinca Clarice.