Foi a partir das histórias contadas na infância pela mãe, Silvia Regina, que a gaúcha Agnes Mariá Cardoso, 30 anos, aprendeu a amar a literatura. Graças aos livros trazidos das casas onde Silvia trabalhava como empregada doméstica, Agnes, ainda menina, encontrou nas palavras a companhia que por vezes lhe faltava — e, ao poucos, entendeu que também tinha muito a dizer através delas. E então cresceu. Conheceu a poesia marginal, tornou-se campeã nacional de slam em dupla ao lado de Felipe Deds, publicou um livro, lançou músicas e, entre outros feitos, tem agora sua trajetória mostrada na série do Globoplay Poesia que Transforma.
A produção, que estreia nesta quarta-feira (22), rodou o Brasil durante três meses, passando por 10 Estados, para contar a história de pessoas que tiveram suas vidas transformadas pela escrita do poeta nordestino Bráulio Bessa. Conhecido pelo quadro Poesia com Rapadura, do Encontro com Fátima Bernardes, ele foi o primeiro cordelista a atingir o topo da lista de livros mais vendidos da Amazon. Entre essas histórias está a da porto-alegrense criada na Restinga, que detalha na série a transformação vivenciada a partir do contato com a obra do autor.
A gaúcha iniciou a trajetória literária escrevendo sobre as dores e violências que marcam sua existência como mulher lésbica, pobre e negra no Rio Grande do Sul, Estado que já liderou o ranking de registros de casos de injúria racial no país. Mas, a partir do primeiro contato com o texto Mãe, de Bráulio, Agnes resolveu ressignificar sua escrita: contrariando o que se espera da literatura produzida por pessoas como ela, decidiu que iria escrever sobre o amor, em suas mais diversas formas.
— Existe uma narrativa pré-determinada para pessoas como eu, mas eu me nego a escrever sobre dor. Eu me nego a escrever sobre racismo. Eu me nego a escrever sobre as violências que eu venho sofrendo. Estabeleci que vou escrever sobre afeto, porque acredito que o afeto é uma tecnologia de sobrevivência para a nossa população. Quero falar sobre beleza, sobre amor próprio, sobre afetividade, porque a gente vive em um país extremamente violento e falar sobre essas violências é também uma forma de continuar reproduzindo isso — sentencia.
— E eu comecei a ressignificar a minha escrita a partir do momento que conheci a poesia do Bráulio. Me encantei pela forma como ele conseguia atravessar as pessoas sem falar de dor — explica a slammer, que tem como assinatura poética a máxima: "Eu sou Agnes. O 'G' é mudo, eu não".
Encontro
Ela não foi a única transformada. Bráulio Bessa, apesar de receber o status de ídolo, também teve sua vida impactada pelo contato com os personagens que serão vistos na produção, seus fãs.
— A série fala do poder transformador da minha poesia nas pessoas, mas as pessoas não têm noção de como elas têm esse poder de transformar e de como eu fui transformado por esses encontros e esses abraços — destaca o cordelista.
O abraço na gaúcha, conta o poeta, foi um dos mais marcantes entre os 15 que completam a série documental. Agnes não sabia que encontraria o responsável pela virada de chave em sua forma de encarar a literatura, pois havia sido avisada pela produção do Globoplay que, por conta da pandemia de covid-19, Bráulio não poderia viajar para Porto Alegre. Mas ele viajou.
No último dia de gravações, Agnes declamava uma poesia em um bar do bairro Cidade Baixa quando, em meio aos versos, avistou o ídolo entre a plateia. Ali, a poesia transformou os dois.
— Eu estava na plateia e ela estava declamando com muita força, com uma postura extremamente potente, e de repente ela olha no meu olho, me vê, engole acho que uns dois quilos de poesia e continua. Ela vai até o fim com o poema e, quando termina, a gente se abraça — lembra Bráulio. — Fiquei extremamente emocionado porque é muito bonita essa pluralidade. Ela é do slam e eu sou do cordel, artes que conversam, mas que ao mesmo tempo são tão diferentes. Isso é muito bonito porque isso é o Brasil, é um retrato do nosso povo dentro da poesia.
— A sensação é que a gente se conhecia de outras vidas — resume Agnes.
Outras histórias
Além de Agnes, outras 14 pessoas terão sua relação com a escrita do poeta nordestino contada em Poesia que Transforma. Idealizada por Duda Martins em parceria com Bráulio Bessa, sob a direção de Duda e Chico Walcacer e roteiro de Douglas Vieira, a série está dividida em cinco episódios temáticos: raízes, amor, igualdade, fé e recomeço — a gaúcha aparece no segundo, sobre amor. Em cada um deles, três personagens serão conhecidos pelo público.
— A gente vai desde Quitéria, uma menina de 12 anos, do Rio Grande do Norte, que escreve poesia e está lançando seu primeiro livro, até Agnes, do Rio Grande do Sul, que faz slam e levanta pautas importantíssimas e necessárias. Quando você vê Agnes declamando poesia e quando você vê uma menina de 12 anos lançando um livro, dá muita esperança de que esse país ainda tem jeito — comenta Bráulio, adiantando o que o público pode esperar da produção. — Não querendo ser clichê (mas o que seria de um poeta se não fosse clichê?), nós vamos entregar muito amor.
Produção: Camila Bengo