O Brasil em efervescência, com os motores da música a todo o vapor após o fim da repressão da ditadura militar. Por trás de todo o glamour do topo das paradas dos anos 1980, um mundo de trapaças e mentiras de poderosos oportunistas que almejam alcançar o sucesso. Série criada por André Barcinski, Hit Parade estreia nesta sexta-feira (21) às 22h30min no Canal Brasil, e na plataforma Globoplay. As reprises serão à 1h55min aos domingos e à 0h55min às terças.
Apesar de contar uma história fictícia, a trama é embasada em uma antiga realidade dos bastidores dos estúdios de gravação.
— A indústria da música funciona como qualquer outra, com rivais disputando mercado e fazendo de tudo para vencer. Gravadoras são como qualquer empresa, que precisam dar lucro. A diferença é que lidam com a música, que não pode ser inserida na categoria de “produto”, porque é uma manifestação artística e, por isso, sujeita a avaliações subjetivas — diz Barcinski.
Na obra composta por oito episódios, Simão (Tulio Starling) é um cantor com dificuldades para se estabelecer no mercado fonográfico. Ele é convencido por sua mulher, Lidia (Bárbara Colen), a procurar qualquer trabalho para colaborar com as contas da casa. O artista decide ir até o produtor Missiê Jack (Robert Frank), mas acaba levando um golpe do parceiro e precisa encontrar outra forma de fazer dinheiro. Assim surge sua própria gravadora, a Sensacional Discos. Os dois passam a se enfrentar para ver quem consegue emplacar mais hits, usando de artifícios pouco éticos para criar o novo artista do momento.
— Os personagens não são corretos, são todos errados, meio marginais, equivocados. Trabalhamos com muitos personagens negros, mulheres, LGBTs e acho que era minha forma de introduzir um pouco a política e a representatividade. A ideia era realmente fazer uma viagem do que era produzido na época com o olhar de hoje. Eu não vou repetir as piadas machistas e homofóbicas da época, esse não é o meu trabalho. Mas vou olhar para a amoralidade e pegar esse espírito — conta o diretor Marcelo Caetano.
A ideia de Hit Parade não nasceu do dia para a noite.
— Em 2014, lancei um livro chamado Pavões Misteriosos, que falava justamente dos bastidores da indústria musical dos anos 1970 e 1980. O livro foi resultado de três ou quatro anos de entrevistas e pesquisas, mas me interesso pelo tema há muito tempo, desde que era consumidor de discos, nos anos 1980, e frequentei bailes, discotecas e shows de playback nos subúrbios do Rio. Sempre achei um universo fascinante — explica Barcinski.
A irreverência dos anos 1980 transborda da tela em uma narrativa cheia de recursos visuais para levar os telespectadores diretamente à época conhecida pelo brilho das discotecas. Para que isso fosse possível, buscou-se não somente assistir a produções audiovisuais da época, mas também ler as revistas de moda que eram publicadas. Assim, um universo oitentista que foge de um checklist clichê daquilo que é considerado da década foi criado, eventualmente mostrando elementos visuais de tradicionais de anos anteriores, mas que acabaram perdurando.
— Estilo nos anos 1980 era uma desconexão com o real, um apego pelo artifício do exagero. Tinha a preocupação que estava na atuação não ser naturalista, na câmera ser labiríntica e de tudo ser extremamente colorido — diz Caetano.
Engana-se quem espera que toda a trama será embalada por antigos hits. A trilha sonora conta com canções originais compostas tanto por novos nomes da música brasileira — como Bemti, Caê Rolfsen, Leo Versolato e Maria Beraldo —, quanto por Hélio Costa Manso, que foi diretor das gravadoras RG e Som Livre nos anos 1980. Além de escrever as músicas, ele também aparece na série como Steve Maclean, um artista que ganha relevância ao fingir que não é brasileiro.
A produção fica por conta de Kuarup, gravadora criada em 1977 e que hoje também atua no audiovisual. O diretor da série lembra que a obra contou também com apoio da Agência Nacional do Cinema (Ancine) para ser realizada, e defende que esse tipo de trabalho autoral com liberdade criativa depende da criação e manutenção de políticas públicas. Ao ser filmado a partir de um extenso trabalho de pesquisa, Hit Parade se consolida como mais um bloco na construção da imagem da história fonográfica do Brasil.