Em 2000, o brasileiro acompanhou o noticiário movimentado por um juiz acusado de desviar R$ 169 milhões e um sequestro de ônibus no Rio televisionado em rede nacional. Na faixa das nove, Laços de Família estreava em fevereiro trazendo os dramas de uma elite do Leblon, no Rio de Janeiro, personificada em Helena (Vera Fischer) e sua filha Camila (Carolina Dieckmann), com elevados índices de audiência.
Passaram-se 20 anos, até setembro de 2020, para que o folhetim de Manoel Carlos voltasse a ganhar a tela da Globo, no Vale a Pena Ver de Novo. A realidade e as notícias estão diferentes, norteados pelos efeitos de uma pandemia e uma sociedade com grandes desigualdades econômicas. Embalada por uma abertura de Tom Jobim, o espectador se viu imergindo em um mundo quase que paralelo, com questões sociais gritantes e deixadas em segundo plano diante do sofrimento de Camila.
Mesmo retratando uma sociedade muito diferente, Laços de Família voltou a fazer sucesso na TV. Segundo informações divulgadas pela emissora, a novela supera a audiência de 10 das 12 novelas exibidas anteriormente na faixa horária em São Paulo, garantindo 19 pontos no Ibope. Em Porto Alegre, o resultado também é positivo: desde o primeiro capítulo, foi cravada uma média de 18,5 pontos. Na capital gaúcha, cada capítulo é visto por cerca de 391 mil telespectadores por minuto e alcança 570 mil pessoas.
A principal justificativa, segundo especialistas, está no texto de Manoel Carlos. Antes de Laços, Maneco, como era conhecido, já tinha assinado grandes sucessos da emissora, como Por Amor e Felicidade. Em todos eles, as temáticas e o envolvimento dramático eram suas características marcantes.
— Como muito bem resume o próprio título da novela, Laços de Família é mais uma crônica familiar de Manoel Carlos. É a mistura perfeita entre o folhetim, ou seja, tramas clássicas de telenovela, com diálogos e situações extraídas do cotidiano — acredita Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia Brasileira e Latino-Americana pela Universidade de São Paulo (USP).
Mesmo retratando uma sociedade elitista, Laços de Família coube em 2021. Alencar acredita que o folhetim fez os espectadores se transportarem para uma realidade distante — e por isso foi tão bem aceita. Ele compara a situação com o caso de uma pessoa que, neste ano, começasse a reler O Guarani, de José de Alencar, datado de 1857.
— Há sempre um encanto especial que nos transporta para o universo indianista criado por Alencar. Há o romance entre Peri e Ceci, que se encaixa em qualquer época. Do mesmo modo é o Vale a Pena Ver de Novo: é natural o encanto por uma novela refinada, ambientada no Leblon, que funciona como um deleite para tempos tão turbulentos e sombrios — compara o pesquisador.
Temáticas e elenco
A prostituição, retratada na vida de Capitu (Giovanna Antonelli), e a luta contra a leucemia de Camila foram alguns dos assuntos mais tocantes da trama. Houve uma grande comoção social a respeito da doença enfrentada pela filha de Helena no período de sua exibição original. De acordo com o site Memória Globo, o Instituto Nacional do Câncer registrou 149 novos cadastramentos para doações de medula óssea nas semanas que se seguiram ao capítulo final de Laços de Família. Antes, o índice era de 10 por mês.
O drama da situação voltou a emocionar o espectador e foi embalado por cenas que seguem no imaginário do público. A principal delas é a da raspagem do cabelo de Camila que, assim como em 2000, registrou um alto índice de audiência em 2021.
— A cena fica no imaginário pela mistura precisa entre melodrama, folhetim e contribuição social, embalada por um comovente tema musical. É uma receita imbatível que foi escrita, dirigida, editada e interpretada com forte carga emotiva — destaca Alencar, que pontua a canção Love by Grace, que está na trilha, como fator importante na equação.
O sucesso da novela também é justificado pelo elenco. Segundo Alencar, todos os atores têm procedências variadas e contribuíram para a empatia do público, com destaque para Marieta Severo (como a impiedosa Alma), Tony Ramos (Miguel) e Leonardo Villar (Pascoal) e Walderez de Barros (Ema) como os pais de Capitu.
Nesta lista, Vera Fischer não tem como ficar de fora. Como a protagonista Helena, a personagem foi um exemplo de mãe, colocando os filhos como sua prioridade máxima de vida, sendo capaz de negar um pedido de casamento para lidar com os efeitos de um plano para salvar Camila.
Helena sempre foi uma mulher forte nas tramas de Manoel Carlos. Vera, segundo Alencar, fez isso com muito talento e magnetismo.
— Certamente ela é uma das Helenas mais emblemáticas do autor. Vera Fischer, liderando o elenco, esteve em momento interpretativo digno de uma estrela, deusa do Olimpo! — elogia o pesquisador.