O que aconteceria se as pessoas perdessem o medo da morte? Como agiriam? Partindo dessa premissa, a série gaúcha A Bênção estreia na TV por assinatura nesta terça-feira (29), às 21h, no Canal Brasil. Todos os oito episódios da atração também chegam ao Globoplay no mesmo dia.
Criada por Frederico Ruas e Leo Garcia, com Davi de Oliveira Pinheiro e Emiliano Cunha assinando a direção, A Bênção tem roteiro elaborado por Ruas, Garcia, Denise Marchi, Iuli Gerbase, Pedro Galiza e Thiago Wodarski. Na trama com cenários em Porto Alegre e arredores, os cientistas Arthur (Aldri Anunciação) e Lerner (Werner Schünemann) criam um medicamento experimental que faz as pessoas não temerem mais a morte. Inicialmente, a ideia é auxiliar doentes em estado terminal. No entanto, a droga deixa seus usuários mais desinibidos, tomando atitudes e realizando ações que antes não teriam coragem — o medicamento passa a ser conhecido como Bênção.
A psiquiatra Marta (Priscilla Colombi), filha de Lerner e esposa de Arthur, trata a jovem Nina (Maria Galant). Aos 18 anos, Nina é vítima de um câncer terminal e se torna uma das primeiras a testar o medicamento, que muda sua perspectiva para encarar o drama.
Apaixonada pelo seminarista Santo (Rodolfo Ruscheinsky), a jovem tenta induzi-lo a largar a igreja. Para isso, Nina faz o rapaz tomar a Bênção sem que ele saiba. Isso impacta na personalidade de Santo, que larga o seminário e passa louvar a droga como uma entidade divina.
Na galeria de personagens também está o policial Júlio (João Campos). Traumatizado e sem coragem de segurar uma arma, ele perde o medo de entrar na linha de fogo ao experimentar o medicamento. Decide assumir sua orientação sexual e procurar vingança. Já a chaveira Eleonora (Áurea Baptista), que cuida de sua mãe com Alzheimer, passa a invadir as casas de seus clientes.
A Bênção, porém, causa dependência de seus usuários, que podem sentir uma grave abstinência. À medida que os problemas decorrentes do medicamento aumentam, as tensões entre Arthur, Lerner e Marta também crescem. Há conflitos e dilemas que os três precisam lidar por conta da droga.
Dilemas
Se por um lado Arthur busca seguir os procedimentos dentro de uma ética e controle, Lerner é mais impulsivo e amoral. Schünemann define seu personagem como "complexo", frio como cientista, mas frágil emocionalmente. Conforme o ator, esses dois elementos o atraíram muito no personagem.
– Lerner é um cara que teve uma grande perda amorosa, de sua esposa. Fica com muito medo de assumir a vida depois disso. Luta muito contra as suas angústias, o medo de levar as coisas para frente. Seu trabalho como cientista vai no sentido de desenvolver drogas para trabalhar contra esse medo, no caso, o medo da morte – explica Schünemann.
Conforme o ator, esse medo paralisa as pessoas, e Lerner busca superar isso através do seu trabalho. Consequentemente, isso o torna antiético.
– Tudo que ele vê pela frente são os fins. Os meios ele vai tocando. Eu penso no Lerner como alguém que foge do encontro de si mesmo – define Schünemann.
Marta, a filha de Lerner, também vive uma série de dilemas morais ao longo da narrativa. Priscilla Colombi conta que deu vida a essa personagem sem o exercício do julgamento.
– Todos temos motivos para sermos o que somos. Marta é uma profissional extremamente ética e tem dentro de si as melhores intenções no que concerne às decisões que toma, mas a dor que carrega pelo seu trágico passado, a paixão pela sua profissão e a incansável busca pela cura dos seus pacientes a colocam em situações bastante questionáveis – reflete a atriz. Ela acrescenta que a cura dos pacientes, na verdade, vem a ser uma cura para a própria Marta.
Ficção e atualidade
Leo Garcia e Frederico Ruas trabalham no projeto desde 2012. A ideia foi amadurecendo ao longo dos anos, e as gravações foram realizadas em 2019. Segundo Garcia, A Bênção surgiu da fagulha de fazer uma série com um premissa tão forte como medo da morte. Se uma medicação tivesse o poder de anular esse receio, quais seriam as consequências na humanidade.
– Cientificamente falando, o medo esse vem do nosso instinto animal de proteção. O momento que eu tomar essa medicação revolucionária não significa que vou me jogar da janela. A gente começou a chegar numa ideia que cada indivíduo reagiria de uma maneira diferente – destaca Garcia.
Ruas conta que eles pesquisaram como diferentes religiões e filosofias veem a morte, conversaram com médicos, cientistas e psicanalistas para construir um universo sólido onde os personagens viveriam. Entre as influências para A Bênção está a série The Leftovers (2014-2017), não pelo tema, mas sim pelo tom da pesado e pela maneira de desenvolver os personagens em um mundo distópico.
Além da temática sobre o medo da morte e dilemas morais, A Bênção traz consigo comentários do mundo contemporâneo – violência, fé, ciência, poderes paralelos ao institucional e homofobia.
– Toda ficção-científica fala, em alguma medida, do mundo real. A Bênção é uma série bastante realista e o seu lugar de fala é: Brasil, século 21. Mas é uma realidade paralela. Tem pontos em comum com a nossa, na maneira como as pessoas se relacionam e lidam com pequenos e grandes problemas – diz Ruas.
Segundo Ruas, tanto o universo de A Bênção quanto o nosso são mundos distópicos. O que muda são os eventos específicos desta distopia:
– Enquanto no nosso temos a covid-19, as queimadas, um presidente genocida, no mundo da Bênção existe uma droga que talvez destrua tudo o que conhecemos como "humano". Ambos os mundos são brutais, injustos, corruptos, desiguais.
Para Priscilla, o potencial de A Bênção vem de sua relação com problemas atuais, sua denúncia e a proposta de reflexão em cima destes temas polêmicos. Mas, voltando ao mote da série, a atriz realça que há personagens na narrativa que só começam a viver suas vidas quando perdem o medo da morte.
– Espero que isto também traga reflexões ao público da série, o quanto o nosso medo tantas vezes nos privou de vivermos os nossos mais genuínos desejos e sonhos. Eu penso que o medo é necessário, é instintivo, nos ajuda a conservar a vida. Em contrapartida, precisamos enfrentá-lo, caso contrário não sairemos do lugar – analisa Priscilla.
Schünemann questiona:
– Será que a vida fica boa sem o medo da morte? Será que ela é melhor? Ela é diferente, sem dúvida. Será que a gente vai querer isso?