Integrando a mostra competitiva de longas-metragens brasileiros da 48ª edição do Festival de Cinema de Gramado, o documentário Me Chama Que Eu Vou apresenta de forma leve e descontraída a trajetória de mais de 50 anos de carreira do cantor Sidney Magal. O filme irá ao ar nesta quarta-feira (23), a partir das 20h, no Canal Brasil.
Dirigido por Joana Mariani, o documentário repassa os momentos mais emblemáticos da vida artística e pessoal de Sidney Magalhães (Magal) – o artista indica que há duas pessoas: o Magal do palco e o Magalhães do cotidiano. O filme explora o início de sua carreira, sua relação com a mãe, Sônia, o período em que se descobriu na Europa. Aborda a criação do mito Magal, o tratamento que recebia da imprensa, a paixão pela sua esposa e a sua família.
Além do documentário, está previsto um filme de ficção sobre a trajetória de Magal. Com produção de Joana e direção de Paulo Machline, Meu Sangue Ferve Por Você está previsto para 2021. O recorte aqui será a história de amor do cantor com a sua esposa, Magali. Nessa cinebiografia, ele será interpretado pelo ator José Loreto.
Em conversa com GZH, Magal falou sobre os filmes que retratam sua vida e sobre o seu atual momento da carreira.
Como foi a escolha de um ator para representá-lo em Meu Sangue Ferve Por Você?
Eu não fiz exigência sobre quem vai me representar. Atores maravilhosos nós temos vários. Só queria realmente uma pessoa com grande talento e com uma grande vontade de me homenagear. Alguém que me conhecesse bem e me visse com bons olhos. Joana passou por alguns atores. Para quase todos eu dizia “sim, sim, sim” (risos). Porque eu adorava o trabalho de todos e iam caber dentro do personagem. Alguns tinham 1,60m e eu tenho quase dois metros. Alguns eram mais velhos do que eu na época. Até que chegamos ao José Loreto.
E como foi a seleção do José Loreto?
Eu não o conhecia pessoalmente, mas, quando fomos apresentados, de cara eu simpatizei com ele. Ele veio todo feliz dizer que foi convidado para fazer Sidney Magal no cinema. Ele disse que ia fazer o possível para seguir todos os meus trejeitos, expressão corporal, expressão facial. Disse que iria tomar muito cuidado para ser autêntico e verdadeiro, que não queria fazer uma caricatura, mas o mais próximo possível. E ele já fez trabalhos onde se saiu maravilhosamente bem homenageando pessoas. E eu acredito muito. Ele tem mandado filmagens dele dançando. Fiquei muito feliz com o resultado do Zé, porque ele está se esforçando e tenho certeza de que vai fazer um trabalho lindíssimo.
Para viver sua esposa, Magali, foi selecionada Giovana Cordeiro.
Eu falava que tinha que ser uma mulher linda como a minha mulher sempre foi. E uma boa atriz, é lógico. E a Joana foi na mosca. Giovana é lindíssima. Eu brincava: “Só falta eu me apaixonar pela atriz”. E a Magali: “Nem vem que não vai ter filme!”(risos). Giovana é uma boa atriz, tenho certeza de que foi uma ótima escolha. Também tem Luís Miranda e Emanuelle Araújo, um monte de gente boa. Um monte de baiano, com axé deles dentro do meu trabalho.
O recorte será o seu romance com a Magali?
Sim, a minha história de amor é lindíssima. É sobre um amor à primeira vista, mas de uma forma inédita. Fiquei apaixonado pela ideia.
Me Chama Que Eu Vou é um documentário que celebra sua trajetória, mas quase não há pontos baixos ou conflitos. Joana conta que teve dificuldade em achar antagonismo na montagem. A que se deve isso?
A dificuldade que a Joana teve foi a mesma da Bruna Fonte (autora da biografia "Sidney Magal: Muito Mais que um Amante Latino", de 2017). Eu não consigo transformar nenhum momento da minha vida em um castigo, em uma frustração, em um arrependimento ou numa raiva. Sempre vejo tudo como se fosse apenas um momento. Quando comecei a cantar na noite do Rio de Janeiro, eu cantava em barzinhos e boates, onde havia travestis, mulheres da noite e cafetões. E eu cantava como se estivesse em Hollywood, como se estivesse no palco do Carnegie Hall (em Nova York), pois eu achava que aquele era meu momento, que o resto não interessava. Se acontecesse, seria bom. Como foi. Cada momento meu eu vejo com muita alegria, com muito tesão, com muita vontade. E vou passando essa vontade para o meu papo. E as pessoas vão se contagiando. Vão dizendo: “Mas e aí, me conta uma história mais salgada”. Se eu contasse uma história mais salgada iam morrer de rir, pois a transformei em uma grande piada na minha vida e que me serviu para continuar seguindo em frente. No livro, a Bruna brincava com isso: “Você não vai vender como a Rita Lee e o Tim Maia, que são pessoas que tiveram momentos tão fortes na vida que deixa as pessoas curiosas. Você é uma pessoa muito transparente e leve”. Infelizmente, no físico não estou mais assim (risos), mas no humor sigo bastante leve.
Uma coisa que o filme mostra bem é transição do Magal para o status de cult. Sendo bem valorizado com o tempo. Para você, a que se deve essa valorização? Houve uma mudança de percepção ao seu trabalho?
Houve, sim. Mas para isso também tenho uma explicação própria, que me satisfaz. Costumo dizer que os artistas dos anos 1960 e 1970 sofriam muito um preconceito social. Isso era latente, estava na cara. O artista que fosse curtido pela empregada doméstica ou pelo operário de obra, eletricista, pedreiro, enfim, geralmente tinha a cara virada da alta sociedade e das pessoas mais elitizadas. Isso passava para a imprensa. A imprensa tinha o Jornal do Brasil, que falava mal do Magal. E tinha o Última Hora, que falava bem do Magal. Tinha as rádios FM que não tocavam minhas músicas e tinha as rádios AM que tocavam. Isso tudo muito induzido pelo preconceito social. Encarei isso muito bem. Eu sou um cantor de pessoas que querem me ouvir e que gostam do que eu faço. Não costumo separar as pessoas em classes A, B, C ou D. Acho isso tudo um pouco idiota, na minha visão. Quando chegou aos anos 1990, a coisa começou a mudar. O Brasil começou a mudar. Algumas revistas importantes e também intelectualizadas começaram a dar voz para que eu também pudesse me mostrar como pessoa. Como foi o caso da revista Trip, nos anos 2000, que me colocou como o rei do pop brasileiro na capa. Várias pessoas começaram a focar no Sidney Magal, que fazia um trabalho popular e que tinha uma cabeça muito boa e que sabia o que estava dizendo. Essa minha imagem começou a mudar um pouco. Com a idade também, o público amadureceu junto. Tudo contribuiu para que as pessoas tivessem uma aceitação mais bonita.
E musicalmente?
A música hoje em dia, se você pegar o sertanejo, o funk, o axé, o pagode, são tão populares e bregas como eu era chamado nos anos 1970. Só que agora as pessoas aceitam que música é música. Ela faz bem à alma. Não cabe à gente ficar adjetivando e separando música de A, B, C ou D. A junção de muitas coisas fez de mim um artista mais respeitado por um número maior de pessoas.
Quem seria o Sidney Magal de hoje em dia?
(Finge pigarrear) Agora vou ter que dar uma esnobada. Lembro de algumas matérias que eu fiz, onde eu disse e repito: “Grupos de pagode, com todo respeito, vocês podem escolher entre os 500 que existem. Duplas sertanejas podem escolher entra a mil e quinhentas que existem. Agora, não há nenhum Ney Matogrosso e Sidney Magal. Se quiserem ouvir, só tem um de cada. Aproveitem!”. Não é uma esnobação. É um orgulho que eu tenho de ter feito um gênero, inclusive, na minha interpretação, que não foi limitado. Foi, sim, imitado, por imitadores e caricaturas. As pessoas se divertiram muito com a minha imagem. Mas, para fazer carreira, ninguém se utilizou do meu repertório e da minha performance. Isso me dá longevidade artística.
Como está sendo a pandemia para você?
A pandemia está sendo terrível para todos nós, profissionais artísticos. Muitos shows adiados. Falta total de trabalho. As lives acontecem, mas esporadicamente. Nem sempre com grande patrocínio. Sentimos muita falta do público, do aplauso, do carinho e da energia que é trocada no show. Isso na parte artística. No mais, é pedir a Deus a cada momento, a cada minuto, que os índices baixem cada vez mais no mundo inteiro para a gente se sentir premiado como ser humano, de estar vivendo a vida com liberdade total, indo para aonde quer, conversando com quem quer, beijando e abraçando quem quer. Isso pode nos transformar em seres humanos melhores, se quisermos. Senão, nada vai mudar. Mas pelo menos a sede de viver deve aumentar.
Você já comentou que o documentário é uma coroação de sua trajetória. Em que momento da sua vida e carreira esse filme chega?
É uma coroação sim. Eu sou um artista popular que já passou por momentos fantásticos. Já passei por momentos sem sucesso, sem música nas paradas ou vendendo milhões. Isso tudo eu soube superar. É muito gratificante ter um filme feito sobre você escolhido para uma mostra como o Festival de Cinema de Gramado, que é top no Brasil e respeitado pelo mundo inteiro. Você vê seu nome ali envolvido. É um presente, é um prêmio. O livro, o documentário e o filme, o reconhecimento, o amor, o carinho das pessoas. Só posso agradecer.