Misto de Elvis Presley e John Travolta. Louco, maravilhoso, sexy, masoquista, narcisista. O astro que veio com a disposição de ser eterno. Estas foram algumas descrições de Sidney Magal feitas pela imprensa de décadas passadas, como mostra a abertura do documentário Me Chama Que Eu Vou. O tempo passa, mas o mito permanece no imaginário popular.
Integrando a mostra competitiva de longas-metragens brasileiros da 48ª edição do Festival de Cinema de Gramado, o filme apresenta de forma leve e descontraída a trajetória de mais de 50 anos de carreira do cantor. O documentário será exibido nesta quarta-feira (22), a partir das 20h, no Canal Brasil.
Dirigido por Joana Mariani, Me Chama Que Eu Vou repassa os momentos mais emblemáticos da vida artística e pessoal de Sidney Magalhães. O artista indica que coexiste em duas personas: o Magal do palco e o Magalhães do cotidiano. Em cena, o início da carreira, sua relação com a mãe, Sônia, o período em que se descobriu na Europa. O filme destaca a criação do mito Magal, o tratamento recebido da imprensa, a paixão pela esposa e a vida em família.
Ouça a entrevista de Sidney Magal para a Rádio Gaúcha:
O documentário traz muitas imagens de arquivos — entrevistas a programas de televisão, fotos de jornais e revistas — e depoimentos do próprio Magal. Quem também fala no filme é a sua esposa, Magali, e o seu filho, Rodrigo. E só.
– É um documentário um pouco menos clássico. Não são pessoas falando sobre o Magal, nem contando o que acham dele. É o Magalhães falando sobre o Magal. Ou Magal falando sobre o Magalhães. Um pouco o criador e a criatura se complementando ali – diz Joana em entrevista a GZH.
A diretora e o cantor se conheceram no começo dos anos 2000, durante as filmagens do clipe de Tenho (sucesso de Magal lançado em 1978), dirigido por Pedro Becker, e ficaram amigos. Joana conta que a ideia para o documentário parte um pouco do entretenimento que é ouvir Magal contar as suas histórias:
– Toda vez que a gente sentava à mesa para jantar, ele trazia essa narrativa tanto da vida profissional quanto da pessoal. Sempre é muito fascinante. Tivemos essa vontade de abrir para todo mundo as experiências que tínhamos ao ouvir o Magal contar suas histórias. Foi um pouco o que tentamos fazer no documentário.
Magal brinca que até relutou com a ideia:
– Não tenho coisas muito sérias ou graves para contar. Só piadas e bem viver. E Joana disse que era esse bem viver que queria transmitir. E ela conseguiu.
Bem viver
De fato, Me Chama Que Eu Vou tem um tom leve e de celebração, no ritmo agradável de uma conversa de bar com Magal. Conflitos e dificuldades enfrentadas na sua trajetória passam discretamente pela narrativa. O cantor minimiza momentos de ostracismo e polêmicas. Segundo, Joana trata-se de uma característica da personalidade serena de Magal: para ele, "não há tempo ruim". Durante as entrevistas, lembra a diretora, as conversas chegaram a ir para momentos mais "intensos", mas a maneira de Magal olhar para esses momentos é positiva. A diretora admite que foi um problema montar o documentário:
– Não minimizei nada no filme. Na verdade, tentei muito tirar alguma coisa que ele falasse: “Aí foi uma m...”. Não deu. Era algo como: "Fiquei nove anos sem lançar um sucesso, mas tudo bem, passei mais tempo com os meus filhos". Isso é uma característica dele .
Magal corrobora:
– Isso que a Joana está falando é a pura verdade. Eu não consigo transformar nenhum momento da minha vida em um castigo, em uma frustração, em um arrependimento ou numa raiva. Sempre vejo tudo como se fosse apenas um momento.
Ele conta que foi a mesma dificuldade que Bruna Fonte, autora da biografia Sidney Magal: Muito Mais que um Amante Latino (2017), enfrentou.
– Enquanto escrevia o livro, a Bruna brincava com isso: “Você não vai vender como a Rita Lee e o Tim Maia, que são artistas que tiveram momentos tão fortes na vida que deixa as pessoas curiosas. Você é uma pessoa muito transparente e leve”. Infelizmente no físico não estou mais assim (risos), mas no humor sigo bastante leve – diverte-se.
Joana trabalha no documentário com a mídia no papel de antagonista. Ao longo dos anos, o tratamento da imprensa com o cantor oscilou bastante. O filme realça os renascimentos que Magal teve na carreira, como quando emplacou um tema de abertura da novela Rainha da Sucata (1990), com a lambada que dá título ao filme. E o status de cult que atingiria nos anos 2000.
De acordo com Magal, muitos artistas populares de sua geração sofriam muito com o preconceito social.
– O artista que fosse curtido pela empregada doméstica ou pelo operário de obra, eletricista, pedreiro, enfim, ele geralmente tinha a cara virada da alta sociedade e das pessoas mais elitizadas. Isso passava para a imprensa – afirma. – Encarei isso muito bem. Sou um cantor de pessoas que querem me ouvir e que gostam do que eu faço, independentemente da classe social.
Magal lembra que, com o passar dos anos 1990, algumas revistas importantes e "intelectualizadas" começaram a lhe dar voz, para que pudesse mostrar um outro lado seu.
– Várias pessoas começaram a focar no Sidney Magal que fazia um trabalho popular e que tinha uma cabeça muito boa e que sabia o que estava dizendo. Essa minha imagem começou a mudar um pouco – analisa.
Mais Magal
Além do documentário, está previsto ainda um filme de ficção sobre a trajetória de Magal. Com produção de Joana e direção de Paulo Machline, Meu Sangue Ferve Por Você está previsto para 2021. O recorte aqui será a história de amor do cantor com a sua esposa, Magali. Nessa cinebiografia, ele será interpretado pelo ator José Loreto.
Para Magal, esses filmes retratando sua vida são uma coroação de sua carreira.
– É muito gratificante ter um filme feito sobre você que é escolhido para uma mostra como o Festival de Gramado, que é top no Brasil e respeitado pelo mundo inteiro. Ver seu nome ali envolvido. O livro, o documentário e o filme. O reconhecimento, o amor, o carinho das pessoas. Só posso agradecer.
Conhecido por sucessos que seguem atravessando os anos como, Sandra Rosa Madalena, Tenho, Meu Sangue Ferve por Você, Amante Latino, entre outros, e com a sua vida sendo duplamente retratada no cinema, parece que acertou quem disse em décadas passadas que "o astro que veio com a disposição de ser eterno".
Programação do Festival desta quarta-feira (23)
- Curtas brasileiros: Remoinho (PB), de Tiago A. Neves, e Você Tem Olhos Tristes (SP), de Diogo Leite.
- Longa brasileiro: Me Chama Que Eu Vou (SP), de Joana Mariani
- Longa estrangeiro: Los Fuertes (Chile), de Omar Zúñiga
Como assistir
Os filmes serão transmitidos pelo Canal Brasil, tanto pela TV por assinatura quanto pelo seu serviço de streaming (Canal Brasil Play), na plataforma GloboSat. Também é possível assistir ao canal pelo Globoplay.
A emissora será a responsável por exibir as mostras competitivas de longas-metragens brasileiros e estrangeiros, que terão uma única transmissão pela TV. A programação diária do Festival de Gramado no Canal Brasil tem início às 20h.
Os curtas-metragens brasileiros serão exibidos uma vez pela TV e ficarão disponíveis por 24 horas através da plataforma Canal Brasil Play. Também pelo serviço de streaming estão disponíveis os curtas e longas gaúchos da programação do festival.