A televisão completa 70 anos desde sua estreia no Brasil na próxima sexta-feira (18). De 1950 para cá, sociedade, o esporte, a dramaturgia e a música tiveram seus principais momentos transmitidos pelo aparelho, que virou companhia diária do brasileiro.
Para o jornalista e professor da Escola de Comunicação da Universidade de São Paulo (ECA-SP), Eugênio Bucci, a televisão confere a imagem identitária do país como um todo.
— É a televisão que termina o processo de unificação que existia no imaginário, de um reconhecimento de si mesmo com um país. Isso é uma marca nossa em relação a qualquer outro país. O Brasil tem o idioma que unifica, mas não lê as mesmas coisas, somos um país muito disperso. É pela TV que se constitui um espaço público constitucional no Brasil, isso talvez seja o grande traço distintivo desse veículo — acredita Bucci.
Por isso, GZH relembra alguns dos momentos em que o brasileiro parou, literalmente, para ver TV. É inevitável pensar em grandes tragédias a nível mundial, como o 11 de setembro, mas, abaixo, listamos os principais fatos nacionais que tiveram repercussão na telinha. Confira:
Incêndios
Em São Paulo, foram pelo menos três grandes incêndios que tiveram imagens transmitidas pela TV. Em 24 de fevereiro de 1972, 16 pessoas morreram e mais de 300 ficaram feridas no maior incêndio da história de São Paulo até então. Dois anos depois, as chamas e a destruição do edifício Joelma também causaram comoção, com a morte de 188 pessoas e 345 feridos. Neste caso, uma cena mais dramática, documentada pelo cinegrafista Reynaldo Cabrera, cujas imagens também foram ao ar no Jornal Hoje, foi a queda de um homem do último andar do prédio.
No Rio Grande do Sul, um incêndio nas Lojas Renner, em abril de 1976, é lembrado até hoje: o fogo atingiu os nove andares, inclusive o depósito de tintas e solventes, o que gerou explosões no local. Foram 41 mortes e 65 pessoas ficaram feridas. As chamas que atingiram a creche Casinha da Emília, em Uruguaiana, em junho de 2000, também tiveram imagens repercutidas nacionalmente. O incidente deixou 12 crianças mortas.
Em janeiro de 2013, outra tragédia que deixou fortes marcas: a da boate Kiss, que causou 242 mortes e deixou 636 feridos. O Jornal Nacional foi ancorado por William Bonner diretamente de Santa Maria naquela semana.
Mortes de presidentes e famosos
As mortes de Jango, Juscelino Kubistchek e Tancredo tiveram ampla cobertura na TV. No caso de JK, em agosto de 1976, a Globo colocou no ar um noticiário extra de três minutos, informando ao público os recentes acontecimentos. A matéria não agradou a Censura Federal, que enviou um recado à redação do Jornal Nacional pedindo que a morte fosse abordada com menos emoção. Mesmo com as advertências, a emissora acompanhou o velório no dia seguinte, com imagens do cortejo, que seguiu para o aeroporto Santos Dumont, de onde o corpo partiria para Brasília.
Símbolo da retomada da República, Tancredo teve toda sua agonia no hospital acompanhada pelos brasileiros. Depois de 39 dias internado, em 21 de abril de 1985, ele morreu no Instituto do Coração, vítima de infecção generalizada. O comunicado oficial foi dado no Fantástico e, na sequência, o fato teve uma edição especial do Jornal Nacional com quatro horas de duração, ancorado por Sérgio Chapelin.
Em outras áreas, como a música, a cobertura da morte dos Mamonas Assassinas também ficou na memória dos brasileiros. O cortejo dos corpos dos músicos foi acompanhado por todo o país. A morte do jornalista Tim Lopes, em 2002, também comoveu o público, com uma edição especial do Jornal Nacional.
Visita do Papa João Paulo II
O pontífice chegou ao Brasil no dia 30 de junho de 1980. Durante 12 dias, percorreu aproximadamente 14 mil quilômetros, passando por diversas capitais. Neste período, a programação da Globo foi alterada para a exibição, ao vivo, dos eventos. Houve também a inserção de flashes com informações gerais sobre a visita. Calcula-se que 12 milhões de pessoas acompanharam a passagem do de João Paulo II pelo país.
Desastres aéreos
As coberturas de acidentes de avião também pararam o Brasil. Na manhã de 31 de outubro de 1996, o país ficou em choque com a queda do Fokker 100 da TAM em uma rua da região do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, seis segundos após levantar voo com destino ao Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Foram 99 mortos. Quase 11 anos depois, em julho de 2007, Congonhas foi palco de outra tragédia: um avião que saiu de Porto Alegre não conseguiu frear, tentou arremeter e acabou colidindo com um prédio da TAM, deixando 199 mortos.
Outro acidente que teve vasta cobertura na TV foi o de um Boeing da Gol, em setembro de 2006, que se chocou no ar com um jato Legacy e caiu na Serra do Cachimbo, no Sul do Pará, na divisa com o Mato Grosso. Em 2016, a queda do avião com a delegação da Chapecoense, que matou 71 pessoas, ganhou repercussão internacional, com imagens do local e de homenagens em Chapecó.
Finais de novela
A teledramaturgia mostrou regionalismos, vilões inesquecíveis e mocinhos amados, mas os desfechos de alguns enredos entraram para a história. No caso de Vale Tudo, a morte da vilã Odete Roitman (Beatriz Segall) a 11 capítulos do final atingiu 81 pontos no Ibope. A descoberta do assassino, no episódio final, elevou a média para 86 pontos.
O caso foi o semelhante em Avenida Brasil, que mostrou o desfecho de Nina (Débora Falabella) e Carminha (Adriana Esteves), atingindo 52 pontos — um dos números mais altos de uma atração na última década. Em 1995, com 51 pontos em seu capítulo final, A Próxima Vítima também fez sucesso entre os espectadores ao revelar a identidade do assassino em série da trama.
Outros motivos também atraíram o público para capítulos emblemáticos. No desfecho de Amor à Vida, em 2014, o público presenciou o primeiro beijo gay da Globo entre Felix (Mateus Solano) e Niko (Nicolas Corona). A morte de Nazaré (Renata Sorrah) na despedida de Senhora do Destino, em 2005, e o destino de viúva Porcina (Regina Duarte) em Roque Santeiro, em 1985, também se destacaram.
Política
Mesmo com a chegada da internet, que facilitou a disseminação de informações, a apuração das eleições é outra marca importante da TV. Emissoras acompanham os números diretamente dos tribunais eleitorais e trazem os discursos da vitória. No caso de 2014, a disputa entre Dilma Rousseff e Aécio Neves fez a nação parar para ver a apuração: a petista ganhou com 51,65%, enquanto o candidato do PSDB obteve 48,35%. A diferença entre os dois, portanto, foi apenas de 3,3% dos votos válidos.
Os debates entre os candidatos também foram importantes ao longo da história. Segundo o pesquisador Eugênio Bucci, a TV Bandeirantes tem uma enorme tradição em sua cobertura. Em 1989, na retomada da democracia, Paulo Maluf e Leonel Brizola foram as figuras de uma cena inusitada em um desses debates: Maluf fazia algumas considerações sobre a necessidade de estabilidade psicológica dos candidatos. Brizola pediu uma resposta e, mesmo negado, chamou o oponente e a plateia de “malufistas” e “filhotes da ditadura”.
O impeachment de Fernando Collor também marcou a história. Em setembro de 1992, o Jornal Nacional registrou a solenidade de entrega do pedido de afastamento e a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do parecer. A Globo transmitiu ao vivo toda a sessão de votação, que durou pouco mais de duas horas. Em 29 de dezembro, o Jornal Hoje, o Jornal Nacional e o Jornal da Globo exibiram o último julgamento de Collor por crime de responsabilidade. No fim, Collor renunciou.
Copas e a morte de Senna
Primeira Copa do Mundo transmitida ao vivo para todo o Brasil, o torneio de 1970 impulsionou o país diante da TV, ainda mais com a trajetória da seleção — que conquistou o tricampeonato sob a genialidade de craques como Pelé, Tostão, Jairzinho e Rivellino. Outros títulos da seleção, como em 1994 e 2002, também colocaram o brasileiro para torcer com as transmissões. As narrações de Galvão Bueno, como quando Baggio errou o pênalti em 1994, são inesquecíveis.
Já alguns momentos infelizes do país na Copa do Mundo, como o 7 a 1 sofrido diante da Alemanha, em 2014, deixaram todos em silêncio em suas casas. Outro fato que deixou o Brasil em lágrimas diante da TV foi a morte do Ayrton Senna, em 1994. O Grande Prêmio de San Marino era transmitido ao vivo no momento da colisão. As câmeras também registraram quando o piloto foi levado a um hospital de helicóptero.
Enchentes e barreiras
O ano de 1983 ficou marcado pelas enchentes que devastaram os estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Na segunda semana de julho daquele ano, a chuva deixou mais de 200 mil desabrigados nos três estados do Sul. Em Santa Catarina, a enchente foi a maior do século 20. Em Florianópolis, a RBS TV ficou 24 horas no ar informando e ajudando a distribuir os mantimentos doados pela população.
Em 2008, Santa Catarina passaria por uma nova inundação: nos últimos dois meses do ano, choveu quase que diariamente no Estado. Na última semana de novembro, a situação se agravou, principalmente no Vale do Itajaí. Em apenas três dias caiu na região um volume de água equivalente a quatro meses.
Outro fato que causou comoção foi o rompimento da barragem de propriedade da mineradora Samarco, em novembro de 2015, que despejou 40 bilhões de litros de rejeitos de minério sobre os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, no município de Mariana (MG), e Gesteira, em Barra Longa (MG). As imagens do local rodaram o mundo.
Protestos
Em junho de 2013, mais de 1 milhão de pessoas foram às ruas em todo o país impulsionadas por pedidos de menos corrupção e mais acesso aos direitos básicos. A movimentação nacional começou pelo aumento das tarifas de ônibus nas principais capitais e ganhou outras solicitações, como educação e saúde.
Na noite do dia 17, pico das manifestações em todo o país, Porto Alegre registrou a prisão de, pelo menos, 38 pessoas. Além disso, seis feridos foram atendidos no Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre (HPS), 52 contêineres foram incendiados, seis ônibus foram depredados — um deles incendiado — e, somente na Avenida Sete de Setembro, cinco agências bancárias tiveram a vidraça quebrada.