Para o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, a decisão judicial que ordenou a retirada do ar do Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo caracteriza censura e será derrubada pelos tribunais superiores. A declaração foi dada ao colunista Bernardo Mello Franco, do jornal O Globo.
Para o ministro, a decisão de retirar do vídeo não tem amparo na Constituição.
— É uma barbaridade. Os ares democráticos não admitem a censura — declarou ele ao jornal.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, também se manifestou de forma crítica à decisão da Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Segundo Santa Cruz, a Constituição brasileira protege o direito à liberdade de expressão e qualquer forma de censura significa retrocesso.
“A Constituição brasileira garante, entre os direitos e garantias fundamentais, que ‘é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença’. Qualquer forma de censura ou ameaça a essa liberdade duramente conquistada significa retrocesso e não pode ser aceita pela sociedade”, afirmou o presidente da entidade, em nota.
Na quarta-feira (8), o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou, em decisão liminar, que o especial seja retirado do ar. A decisão do desembargador Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível, atende a pedido realizado pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura.
Em despacho publicado também na quarta, o desembargador retoma o pedido inicial da Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura para analisar a causa. "A honra e a dignidade de milhões de católicos foi gravemente vilipendiada pelos reús, com a produção e a exibição do Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo, onde 'Jesus é retratado como um homossexual pueril, Maria como uma adúltera desbocada e José um idiota traído', partindo de uma compreensão equivocada do que seja liberdade de manifestação do pensamento e de criação artística", diz a associação.
O grupo pede uma multa de R$ 150 mil por dia de exibição do filme ou produções acessórias (trailers, making of, propagandas) no processo inicial.
Abicair considera, em sua decisão, que "o STF já assentou que a incitação ao ódio público contra quaisquer denominações religiosas e seus seguidores não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão", eliminando o argumento da Netflix e do Porta dos Fundos sobre a livre divulgação de suas ideias no longa-metragem.
"Ressalto, por oportuno, que as Redes Sociais são incontroláveis e a Netflix, até onde sei, é passível de ser acessada por qualquer um que queira nela ingressar, inclusive menores, bem como o título da 'produção artística' não reflete a realidade do que foi reproduzido. Daí a minha avaliação, nesse momento, é de que as consequências da divulgação e exibição da 'produção artística' da primeira Agravada são mais passíveis de provocar danos mais graves e irreparáveis do que sua suspenção (sic), até porque o Natal de 2019 já foi comemorado por todos", completa o desembargador.
Ela finaliza o despacho dizendo que concedeu a liminar por acreditar que é "mais adequado e benéfico, não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã, até que se julgue o mérito do Agravo, recorrer-se à cautela, para acalmar ânimos".
Procurada por GaúchaZH, a assessoria da Netflix informou que a plataforma de streaming não foi notificada sobre a decisão judicial e que a empresa não tem nenhum comentário a fazer sobre o assunto.
Protestos
O filme produzido pelo Porta dos Fundos foi alvo de protestos desde o lançamento, em 3 de dezembro. Grupos religiosos começaram campanhas contra o programa, que satiriza o aniversário de 30 anos de Jesus e indica um possível relacionamento entre ele (Gregorio Duvivier) e seu amigo, Orlando (Fábio Porchat).
Além de petições online, pelo menos sete ações foram ajuizadas pedindo a censura do especial. Os humoristas saíram em defesa do programa. Fábio Porchat defendeu a liberdade de expressão e a tolerância e afirmou que "com religião se brinca sim".
A repercussão ganhou o mundo e, nesta semana, o vice-premier da Polônia, Jaroslaw Gowin, também pediu que a Netflix remova de seu catálogo A Primeira Tentação de Cristo.
Em meio à polêmica, o prédio da produtora do Porta dos Fundos foi atacado por explosivos. O suspeito do ataque fugiu para a Rússia. Nesta quarta-feira, a Polícia Federal pediu ajuda da Interpol para detê-lo.