A Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura afirmou que vai recorrer da decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que acatou um pedido da Netflix e manteve A Primeira Tentação de Cristo, especial de Natal do Porta dos Fundos, no catálogo do streaming. Ao Estadão, o advogado da associação cristã, Leonardo Camanho, disse que há um “equívoco de premissa” no texto de Toffoli ao falar em censura prévia.
— Vamos levar essas considerações ao relator da reclamação, ministro Gilmar Mendes, e demais integrantes do colegiado — afirmou.
Inicialmente, o processo foi sorteado no STF e repassado ao ministro Gilmar Mendes. Como o Judiciário está em recesso, a decisão ficou nas mãos de Toffoli, responsável pela análise dos casos considerados urgentes durante o plantão do tribunal. O Supremo retomará suas atividades normalmente somente no mês que vem.
O documento entregue pela Netflix ao STF foi uma reclamação, instrumento jurídico que visa a garantir a autoridade das decisões da Corte. A plataforma de streaming baseou-se na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, de 2009, que declarou a inconstitucionalidade da Lei de Imprensa, considerando que esta criava mecanismos que poderiam induzir à censura.
Em sua decisão, Toffoli disse que, em outras ocasiões, já havia considerado a liberdade de expressão "condição inerente à racionalidade humana, como direito fundamental do indivíduo e corolário do regime democrático". Ele se referiu à suspensão de uma decisão que permitia a apreensão de uma história de quadrinhos com temática LGBT+ na Bienal do Livro do Rio, em setembro do ano passado.
"Não se descuida da relevância do respeito à fé cristã (assim como de todas as demais crenças religiosas ou a ausência dela). Não é de se supor, contudo, que uma sátira humorística tenha o condão de abalar valores da fé cristã, cuja existência retrocede há mais de 2 (dois) mil anos, estando insculpida na crença da maioria dos cidadãos brasileiros", afirmou o ministro na liminar desta quinta-feira (9).
Toffoli derrubou a decisão liminar do desembargador Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Na última quarta (8), o magistrado atendeu a um pedido do Centro Dom Bosco para retirar o programa do ar e para pagamento de uma indenização financeira por dano moral coletivo.
Protestos e ataque
O filme produzido pelo Porta dos Fundos foi alvo de protestos desde o lançamento, em 3 de dezembro. Grupos religiosos começaram campanhas contra o programa, que satiriza o aniversário de 30 anos de Jesus e indica um possível relacionamento entre ele (Gregorio Duvivier) e seu amigo, Orlando (Fábio Porchat).
Além de petições online, pelo menos sete ações foram ajuizadas pedindo a censura do especial. Os humoristas saíram em defesa do programa. Fábio Porchat defendeu a liberdade de expressão e a tolerância e afirmou que "com religião se brinca sim".
A repercussão ganhou o mundo e, nesta semana, o vice-premier da Polônia, Jaroslaw Gowin, também pediu que a Netflix remova de seu catálogo A Primeira Tentação de Cristo.
Em meio à polêmica, o prédio da produtora do Porta dos Fundos foi atacado por explosivos. O suspeito do ataque fugiu para a Rússia. Nesta quarta-feira, a Polícia Federal pediu ajuda da Interpol para detê-lo.