Streaming não tem limites geográficos na distribuição. Um programa gravado em um país pode ser assistido em todos os demais. Portanto, streaming também não precisa ter limites geográficos na produção — o mundo, sabemos, é bem maior do que os Estados Unidos ou a Inglaterra, que inundam as plataformas disponíveis por aqui. É por isso que a Amazon Studios está expandindo seus braços para o Brasil. Nesta quarta-feira (4), em São Paulo, foram anunciadas as primeiras atrações nacionais bancadas pela empresa americana.
— A experiência nos mostra que o público gosta de ter essa janela para realidades que estão longe da sua — disse James Farrel, vice-presidente de International Originals, a divisão de produções estrangeiras da Amazon.
— Queremos autenticidade, queremos assumir riscos, ser uma casa para criadores que têm ideias e paixão — afirmou Jennifer Salke, ex-executiva da rede americana de TV ABC que há um ano e meio preside a Amazon Studios.
E a Amazon também quer brigar no nosso quintal com a Netflix, que tem lançado com frequência séries produzidas no Brasil — somente em 2019, tivemos quatro: Coisa Mais Linda, O Escolhido, Sintonia e Ninguém Tá Olhando.
Seis títulos vêm aí no catálogo da Amazon Prime Video. Entre os pioneiros está a primeira versão feita fora dos Estados Unidos do documentário esportivo All or Nothing. Tudo ou Nada: Seleção Brasileira vai mostrar os bastidores da conquista da Copa América de 2019 pela equipe treinada por Tite. Entrará em cartaz no dia 31 de janeiro de 2020.
Também no início do ano, em data a ser confirmada, estreia o reality show hedonista Soltos em Floripa, gravado na capital de Santa Catarina. "Liberdade", "viva intensamente" e "sem regras" foram as palavras-chave do clipe apresentado, que também mostra imagens de festas, de praia e de corpos seminus. O que o trailer não mostra é a presença de Pabllo Vittar. A cantora integra um painel de celebridades que assiste e comenta as coisas que rolam entre os participantes anônimos recrutados pelo Brasil afora.
— O trailer não dá spoiler mesmo. Vocês não viram nada, gente! — disse Pabllo, presente no evento de lançamento. — Não teve babado, teve a renda inteira. Eu me assustei com o que aconteceu naquela casa.
— É um "guilty pleasure" (um prazer com culpa) — assumiu Malu Miranda, que comanda a Brazil Originals (na prática, é a responsável pela parte criativa do negócio).
Realidade carioca
Quatro outros projetos ainda estão em estágio de produção ou desenvolvimento. Uma série que promete fazer barulho é Dom (título provisório). As cenas exibidas no evento da Amazon Prime Video provocaram aplausos efusivos. Baseada em fatos reais, reconstitui a história do tráfico de drogas no Rio de Janeiro, dos anos 1970 à década de 2000, por meio das jornadas de um pai e um filho. O primeiro é Victor Dom, um policial que testemunhou a chegada da cocaína ao Brasil. O segundo é Pedro Dom, viciado em drogas e em adrenalina.
— Cometia assaltos e no dia seguinte tomava cerveja na frente da delegacia — disse o diretor da série, Breno Silveira, o cineasta de 2 Filhos de Francisco (2005) e Gonzaga: De Pai para Filho (2012).
Mais do que mostrar como o Rio "virou refém do crime e da corrupção policial", mais do que dizer que "a luta contra as drogas deu errado", Silveira estava interessado no drama familiar:
— Temos os dois lados da mesma moeda. Vocês sabem, meus filmes mostram que adoro contar histórias sobre pai e filho. Quando o Victor me procurou para desabafar, há uns 10, 11 anos, ele me disse uma frase que está no Dom: "Eu lutei uma guerra e não vi quando ela entrou na minha casa".
Os atores principais fizeram coro ao diretor.
— Por mais que a grande maioria de nossas cenas seja de embate, há um amor muito forte entre um e outro — comentou Gabriel Leone, o Pedro.
— É um amor desmedido — acrescentou Flávio Tolezani, o Victor.
Diversidade
Setembro (também um título provisório) é uma comédia dramática sobre uma mulher trans. Ela está curtindo o apartamento novo quando alguém bate na porta: é um menino que está procurando o pai que nunca conheceu.
A argentina Josefina Trotta, uma das roteiristas, contou sobre o processo de criação e sobre a protagonista, batizada de Cassandra:
— A história se passa no centro de São Paulo, onde a mistura de imigrantes, nordestinos, moradores de rua etc também é um retrato de diversidade.
— Buscamos fazer um olhar de fora para a cidade — complementou Alice Marcone, que também é uma mulher trans. — Mas isso é só uma das minhas facetas. Caímos na armadilha de totemizar esses corpos: "Você é apenas essa mulher trans, você é apenas essa mulher negra". A série não faz isso. Falamos de família, dessas novas configurações, porque o processo de escrita está sendo diversificado, tem homem branco também. Estou cansada de ser apenas trans. Eu sou roteirista, me chamem para um Velozes e Furiosos — desabafou, com humor.
O cocriador Felipe Braga e o roteirista Rafael Lessa falaram sobre Lov3, uma comédia que aborda os relacionamentos amorosos contemporâneos pela perspectiva de três irmãos — dois gêmeos de 24 anos e a mana de 30 e poucos.
— Eles vão refletir sobre temas como: o que é traição no século 21? O que é monogamia? O que é sexo virtual? Qual é a relação desses personagens com a mentira? Como se posicionam na família? — contou Lessa.
Por fim, haverá um projeto sobre hip-hop encabeçado pelo músico Marcelo D2, ainda sem maiores informações — foi a única produção que não teve trailer nem painel com convidados.
*O jornalista viajou a convite da Amazon Prime Video