Em uma tarde do fim dos anos 1960, num mundo onde o homem acabou de pisar na Lua, dois garotos fogem da escola para nadar no lago. Paulo (João Gabriel D'Aleluia) e Eduardo (Xande Valois) se refrescam do calor da pacata cidade de São Miguel, no interior do Rio de Janeiro, quando deparam com uma mulher ensanguentada, morta e sem um dos seios.
Assim se inicia a história de Se Eu Fechar os Olhos Agora, minissérie de 10 episódios da Globo que já faz parte do catálogo do Now (Net) e estreia nesta segunda-feira (15), no canal aberto (às 22h20min) e na plataforma Globoplay.
Edney Silvestre foi quem escreveu a narrativa, há 10 anos, em formato de livro, venceu o Prêmio Jabuti. Contada através das lembranças de Paulo, já adulto, a trama gira em torno do assassinato da mulher, conhecida por Anita (Thainá Duarte), e dos mistérios criados e desvendados com a investigação de sua morte.
Thainá Duarte descreve Anita como uma mulher exuberante, que chama a atenção de homens e mulheres:
— Isso acaba se virando contra ela. Mesmo sendo bonita e admirada, ela carrega um passado muito obscuro, de muito sofrimento e injustiças.
A personagem morre logo no primeiro capítulo, e descobrimos mais sobre ela em função dos outros personagens.
— Começa mais inocente e aos poucos, a minissérie vai se tornando mais densa — explica Silvestre. — Dentro do arco policial, o que importa são as pequenas vidas daqueles personagens, os segredos que eles escondem, a fachada, as máscaras e a natureza que eles reprimem para viver em sociedade. A morte da Anita explora o que estava guardado.
Eu já tinha uma certa intimidade com o livro quando me chamaram e adorei
ANTONIO FAGUNDES
Paulo e Eduardo começam a conduzir uma das investigações do assassinato por conta própria.
— Há uma beleza na amizade desses dois meninos que, ouso dizer, tem a palpitação que nós no Brasil precisamos hoje — diz o autor da adaptação, Ricardo Linhares. — Eles representam essa boa alma do Brasil. Tem uma sede de justiça e transformação do mundo.
Os garotos acabam recebendo uma ajuda inesperada: o misterioso e introspectivo Ubiratan (Antonio Fagundes) os encontra por acaso e aceita ajudar na investigação, enquanto esconde de todos a verdadeira razão por viver em São Miguel. Fagundes, por coincidência, já era o responsável pelo audiobook da obra de Edney Silvestre, antes do convite para atuar na minissérie.
— Eu já tinha uma certa intimidade com o livro quando me chamaram e adorei. É um personagem que, quando eu li, vi que daria para fazer. Um bruxinho velho, sempre dá para fazer — destaca.
Da investigação do trio, diversos outros assuntos e crimes se desdobram nessa trama de suspense que atinge três mundos: político, civil e religioso. É abordada a submissão das mulheres, o racismo e até mesmo casos extraconjugais, como no núcleo do moderno casal Geraldo Bastos (Gabriel Braga Nunes) e Adalgisa (Mariana Ximenes).
— É uma relação que fica nessa balança entre os caras super bon vivants, mas que não conseguem ser completamente felizes por questões pessoais bom vivants — explica Braga Nunes sobre o seu personagem.
Adalgisa, uma mulher à frente de sua época, que veste calças e cores fortes, teve que optar ainda jovem entre a carreira e o casamento, que lhe traria status social. Provocadora e provocativa, mas cheia de um humor ácido, ela ingere bebidas alcoólicas desenfreadamente para lidar com essa realidade.
— Ela tem uma profundidade grande, mistérios e uma tristeza absurda — conta a intérprete, Mariana Ximenes. — Eu fico muito contente que ela tenha outro romance, misterioso. É onde ela se sente feliz e realizada, onde se sente mulher. Apesar de toda a convenção que existia na época, ela é uma mulher que ousa, que faz o que ela quer da vida.
Os enigmas e personagens dúbios, que inicialmente não se revelam, são pintados por uma paleta de cores escuras, resultado da direção artística de Carlos Manga Jr.
— Optamos por conduzir a narrativa de uma maneira em que as coisas não são mostradas, são sugeridas. É preciso prestar atenção para entender — enfatiza Manga.
Ao adaptar a obra, Ricardo Linhares também incluiu novas cenas na história e deu voz a personagens com menos enfoque na trama original, como a de Débora Falabella.
A atriz integra o elenco como Isabel, a esposa do prefeito Adriano Marques Torres (Murilo Benicio), que só almeja poder. Ela procura cumprir o papel da "esposa ideal", cuidando da casa e das filhas Cecília (Marcella Fetter) e Vera Lúcia (Júlia Svascinna).
— É um casal regido pela aparência. Eles se gostam porque já vivem juntos, aprenderam a viver naquela sociedade. Mas você vê logo no primeiro capítulo que é aquele casal que dorme junto quase que por conveniência — conta Débora. — Isabel é uma mulher que tem seus desejos e se vê sufocada na casa.
Betty Farias também faz uma pequena participação especial na minissérie, na qual aparece de lingerie e com o cabelo platinado.
— Levei um susto, estranhei. Depois gostei. Tudo pelo personagem", brincou a atriz em entrevista. — Eu não podia colocar uma peruca. Viraria Zorra Total, uma participação especial ridícula.
Minissérie atual
Se a submissão da mulher acaba sendo abordado em núcleos como os das personagens de Débora Falabella e Mariana Ximenes, o racismo é percebido através do menino Paulo.
Ele cresce ao lado do amigo Eduardo, filho de um casal de classe média que luta para dar o melhor ao menino; enquanto Paulo não recebe amor de seu pai, o açougueiro Joel (Paulo Rocha), que usa inclusive agressões físicas e expressões preconceituosas em relação ao fato do garoto ser negro. Ao longo da trama, ele vai descobrindo as suas origens.
O ano é 1960, mas poderia ser 2019.
— É uma história que poderia se passar em qualquer lugar, de uma sociedade que está parada no tempo — afirma Débora. — Tem muitas coisas que continuam sendo do mesmo jeito. E muitas coisas que as pessoas vão se identificar e fazer uma relação com os dias de hoje, mas não que isso seja completamente explícito. Todos os personagens na verdade se revelam e esse que é grande barato, mostrar uma sociedade que diz que é uma coisa, se coloca de uma forma super conservadora, mas todos ali tem teto de vidro, tem algo ali de obscuro, secreto ou transgressor — conclui a atriz.
— Ninguém pode segurar a natureza humana por muito tempo por maior que seja a repressão do patriarcado branco, que era o que ditava as regras da sociedade naquela época — aponta Linhares. — São Miguel é um microcosmo do Brasil, das relações de poder e opressão. A discriminação, a intolerância com comportamentos que desafiam as regras e o racismo são questões atuais, cujas raízes estão no passado. Conflitos e costumes que não foram resolvidos hoje em dia, como intolerância, feminicídio e a luta das mulheres pela liberdade.
Silvestre acredita que a obra ajude a explicar a composição étnica do país.
— Meu conhecimento da história do Brasil e necessidade de falar dela através da morte da Anita foi "o pulo'" — diz.
Pela qualidade, a trama ganhou notoriedade: além dos prêmios literários, foi a primeira vez que o Now comprou um programa inédito de dramaturgia da Globo.
Gravada em cerca de cinco meses em Catas Altas (cidade no interior de Minas Gerais que parece cenográfica por si só), Se Eu Fechar os Olhos Agora estreia nesta segunda-feira (15) e vai ao ar às segundas, terças, quintas e sextas, logo após a novela O Sétimo Guardião.