Ficar aflito com a crueldade de um assassinato ou revoltado diante da condenação aparentemente injusta de um inocente – ou da impunidade de um, acredita-se, culpado.
É apelando ao senso de justiça do público – e um tanto ao prazer mórbido que o tema desperta – que séries baseadas em crimes reais tornaram-se sucesso na televisão e nas plataformas de streaming. Populares nos Estados Unidos, essas produções, chamadas true crimes, conquistaram também os brasileiros.
Seja apresentando o criminoso em carne e osso, no estilo documental, ou usando atores para recriar histórias ficcionalmente, as true crimes abastecem os canais americanos desde os anos 1990. Mas ganharam novo fôlego com os canais por assinatura e, mais recentemente, com os serviços de streaming.
Colunista do site Ligado em Série, Ana Bandeira identifica uma produção que reforçou entre os brasileiros o gosto pelo gênero. Ao retratar a saga pelos tribunais de Steven Avery, homem comum do sul dos Estados Unidos que é inocentado de um assassinato para ser acusado de outro, Making a Murderer (2015) tornou-se um fenômeno pela forma como apresenta o intrincado caso. Com uso de imagens de arquivo e depoimentos, combina mistério, suspense, tensão e reviravoltas que deixam o espectador em dúvida sobre a culpa ou inocência do acusado. Com a repercussão da série produzida pela Netflix, o caso foi revisto pela justiça, e Avery passou das seções de entretenimento dos jornais ao noticiário jurídico. Ele segue na cadeia.
— Quase todo mundo tomou partido de que o cara era inocente e estava sendo sacaneado. Rolou uma indignação geral — diz Ana.
Apesar de ter público cativo no Brasil, as true crimes são pouco produzidas por aqui. Ao retornar dos EUA, onde teve contato com produtores que trabalhavam com esse tipo de conteúdo, a diretora Carla Albuquerque enxergou a oportunidade no nicho pouco explorado. Dirigiu Investigação Criminal (2012) e Anatomia do Crime (2017), ambas séries na Netflix retratando assassinatos nacionais.
Carla entende que as true crimes reforçam no público a noção de que um assassino é uma pessoa comum:
— As pessoas pensam "poxa, o psicopata está aqui do meu lado".
Um dos especialistas entrevistados em Anatomia do Crime, que analisa a mente de assassinos brasileiros, o psiquiatra forense Guido Palomba afasta a possibilidade de que, divulgando o método usado por criminosos, as séries inspirem possíveis sanguinários.
— Essas pessoas cometem crimes motivadas por problemas pessoais. Uma pessoa que está alucinando e comete um crime bizarro usa um método único. Não há contaminação — tranquiliza Palomba.
Séries Documentais
Serial (2014) – serialpodcast.org
Fenômeno nos EUA, a série em podcast investiga o assassinato da jovem Hae Min Lee, desaparecida em 1999. O principal suspeito, seu ex-namorado, Adnan Syed, foi condenado a prisão perpétua. A proposta da série foi da jornalista Sarah Koenig, que conseguiu tornar o podcast intrigante ao alertar que sua investigação seria feita em tempo real, enquanto desvendava o nebuloso caso. Com o sucesso dos áudios, o caso foi reaberto e Syed ganhou novo julgamento.
The Jinx (2015) – HBO
O magnata Robert Durst, acusado de três assassinatos, trocou as colunas sociais pelas páginas policiais. A primeira vítima foi sua mulher, Kathleen, que desapareceu em 1982. Em 2000, uma amiga que garantiu a Durst o álibi para escapar do processo anterior foi executada. Apesar dos indícios de seu envolvimento, escapou da justiça para, em 2001, matar e esquartejar um vizinho. Conseguiu, nesse caso, convencer os jurados de que agiu em legítima defesa. Curiosamente, foi um depoimento que deu para a série que finalmente levou Durst à prisão. Ao ir ao banheiro, aparentemente esquecendo que estava com o microfone sem fio ligado, confessou: "Que diabos eu fiz? Matei todos eles, claro".
Making a Murderer (2015) – Netflix
Libertado em 2003 após 18 anos preso por um estupro que não cometeu – foi inocentado por um exame de DNA –, Steven Avery foi preso de novo nos Estados Unidos, acusado de matar uma fotógrafa. A série passa em revista episódios pregressos, acompanha o novo julgamento e as consequências de todo o caso. O incômodo provocado por Making a Murderer decorre do fato de destacar que a condenação à prisão perpétua de Avery, em 2007, ignorou consideráveis indícios (provas plantadas, depoimentos manipulados, procedimentos éticos e legais atropelados) de ele ser, outra vez, inocente.
OJ: Made in America (2016) – ESPN
Narra a história do jogador de futebol americano O.J. Simpson, acusado de assassinar a ex-esposa, Nicole Brown Simpson, e um amigo dela, Ron Goldman. Produzida para a TV e exibida em partes nos cinemas, a série ganhadora do Oscar de melhor longa-metragem documental em 2017 vai além do caso. Traz o cenário sócio-político dos EUA e a questão racial envolvida no julgamento. Também virou série ficcional, The People v. O.J. Simpson, estrelada por Cuba Gooding Jr.
The Keepers (2017) – Netflix
Destaca o assassinato da religiosa Catherine Cesnik, cometido na década de 1960 em Maryland (EUA). A freira dava aula para meninas em uma escola católica. Certo dia, desapareceu misteriosamente. Seu corpo foi encontrado dois meses depois. A série se volta para acontecimentos que ocorreram antes e depois do crime, envolvendo uma rede criminosa de padres pedófilos.
The Staircase (2018) – Netflix
Mostras os meandros das investigações em torno de um nebuloso caso. Em 2001, o escritor Michael Peterson foi acusado de assassinar sua mulher, jogando-a do alto de uma escada. Alegou que estava no quintal da casa no momento da morte, que teria sido acidental, mas foi condenado a prisão perpétua.
Ficcionais
American Crime Story: People v. O.J. Simpson e O Assassinato de Gianni Versace (2016) – FX
Os criadores de American Horror Story se voltaram para casos de crimes reais para lembrar dois assassinatos que abalaram os EUA. A primeira temporada dramatizou a história do esportista O.J. Simpson (Cuba Gooding Jr.), acusado de matar a mulher e um amigo. Na segunda, que estreou em janeiro deste ano, explora o assassinato do estilista Gianni Versace (Edgar Ramírez), morto por um serial killer em 1997.
Law & Order: True Crime (2017) – Fox
A popular franquia americana que desde 1999 aborda crimes ficcionais apostou nas true crimes para retratar a história dos irmãos Lyli e Erik Menendez, que mataram os pais a tiros. Interpretados pela dupla Gus Halper e Miles Gaston Villanueva, os irmãos tiveram como defesa a advogada Leslie Abramson, vivida pela atriz Edie Falco.
Mindhunter (2017) – Netflix
Série baseada em um livro sobre a trajetória do agente do FBI John Douglas, responsável por levar para a agência federal americana, nos anos 1970, a ciência da criação de perfis psicológicos de homicidas. Douglas aparece como o protagonista Holden Ford (Jonathan Groff). Como é baseada em fatos reais, os crimes abordados ocorreram de fato.
Alias Grace (2017) – Netflix
Baseada no livro de Margaret Atwood (autora de O Conto da Aia, que inspirou a série The Handmaid's Tale), conta a história da empregada doméstica Grace Marks, condenada em 1843 pelo assassinato do patrão e da governanta da casa em que trabalhava. A atriz Sarah Gadon faz o papel principal, e Edward Holcroft vive Simon Jordan, "estudioso de doenças mentais" (na época ainda não havia o termo psiquiatra) que entrevista a acusada 15 anos depois dos crimes.