Making a Murderer é uma obra-prima do documentário e, como tal, só poderá ter sua dimensão medida no futuro. Pode ser um futuro breve, mas, ainda assim, futuro.
Por dois motivos.
O primeiro diz respeito ao impacto que a série poderá provocar na realidade sobre a qual se debruça – o caso Steven Avery num aspecto micro, os sistemas judicial e policial do Estado do Wiscosin e, por consequência, de todo o mundo ocidental, que segue os mesmos princípios, de forma mais ampla. As primeiras manifestações do governador Scott Walker podem ser as mais conservadoras nesse sentido, mas a abordagem das falhas do processo tem peso – que o buzz em torno da série só fará aumentar daqui para a frente.
Segundo: a forma de lançamento. Making a Murderer é um documentário de quase 10 horas, duração que poderia ser um impeditivo para as plateias ávidas pelo consumo acelerado de entretenimento. Mas não. As facilidades do streaming têm revelado uma gama enorme de espectadores surpreendentemente pacientes com o (bom) conteúdo. Quando um documentário foi tão visto? Difícil encontrar um fenômeno semelhante em mais de um século de produção audiovisual. Mais do que isso: conforme cresce a propaganda boca a boca, mais gente a série alcança. Quanta gente? Só os próximos anos podem dizer concretamente.
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Impacto torna "Making a Murderer" um fenômeno além da tela
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O que justifica o sucesso de Making a Murderer são essas questões extra-filme e também, e principalmente, a produção em si. Sua construção narrativa contém bons momentos e outros nem tanto, mas é impressionante, de maneira geral, a sua capacidade de envolver o público como se, na tela, se desenrolasse não um simples relato do real, e sim a mais refinada e intrincada das tramas de ficção. Making a Murderer é um documentário, mas também um suspense. Não é um filme de tribunal, nem mesmo um filme (em sua acepção tradicional), mas poucas vezes um filme de tribunal se revelou tão poderoso.
O documentário tem essa capacidade fascinante de se transformar e, às vezes, invadir terrenos vizinhos – foi devido à evolução das pesquisas dos artistas do gênero que as fronteiras entre ficção e não ficção andaram sendo borradas nos últimos tempos. Making a Murderer não almeja a fantasia. Deve ser visto, isso sim, por sua capacidade de entreter e, ao mesmo tempo, transformar a realidade.
A história do cinema não ficcional foi construída a partir de filmes de meia hora (Tire Dié, a obra-prima do cinema novo argentino de Fernando Birri lançada em 1960) e quatro horas e meia (A Batalha do Chile, a monumental trilogia de Patricio Guzmán que teve lançamento entre 1976 e 1979). Making a Murderer é dessa turma. Um marco do cinema político. Pela denúncia dos abusos do Estado, pela chamada à razão de uma sociedade impotente diante dos caprichos dos homens do poder.
E o melhor de tudo: seus 10 capítulos voam sem que o espectador, inapelavelmente sugado para dentro da trama, consiga interromper a fruição por longos períodos.
Making a Murderer
De Moira Demos e Laura Ricciardi
Documentário, EUA, 2015.
Série dividida em 10 episódios.
Disponível na Netflix.
Cotação: ótimo.