A princípio, quase tudo na série Mindhunter, cujos primeiros 10 episódios já estão disponíveis na Netflix, parece uma tentativa de atrair o espectador pela emulação de alguma outra coisa. É um programa produzido pelo cineasta David Fincher (Seven, Clube da Luta, Zodíaco), que também esteve na origem de House of Cards, em 2013, atração responsável pelo atual status do serviço de streaming como produtor de TV de qualidade. É uma série em que pesquisas fora do comum aprofundam dramas pessoais de seus protagonistas ao mesmo tempo em que um método é desenvolvido para entender práticas não ortodoxas, como em Masters of Sex. É também um primor detalhista de reconstituição de época, tipo o que Mad Men tornou o padrão. Ah, é também sobre serial killers, o tema de eleição de grande parte das séries à disposição.
Apesar desses gatilhos para um eventual pé atrás, Mindhunter é um material maior do que a soma de suas partes e consegue, no meio de tantos elementos que parecem querer evocar outra coisa, oferecer uma abordagem original em seu bem-sucedido cruzamento de drama sem exageros com série policial em que quase ninguém dispara um tiro.
Mindhunter é baseada em um livro sobre a vida e a trajetória do agente do FBI John Douglas (o livro já ganhou lançamento no Brasil pela Intrínseca), responsável por levar para a agência federal americana, ainda nos anos 1970, a ciência da criação de perfis psicológicos de homicidas em série (a própria terminologia “serial killer” não existia antes dele, e muito do treinamento do FBI para encontrar criminosos ainda era fruto da paranoia anticomunista da era Hoover). Na série da Netflix, Douglas aparece vagamente disfarçado como o protagonista Holden Ford (Jonathan Groff), um jovem agente dedicado a tentar prever o que leva um número cada vez maior de criminosos a cometer ações violentas e de crueldade premeditada contra estranhos.
Com a ajuda de Bill Tench (Holt McCallany), um relutante agente veterano, Ford começa a entrevistar alguns dos mais bizarros assassinos em série encarcerados no período (a história começa em 1977). A dupla logo ganha o auxílio de uma pesquisadora com sólida carreira acadêmica, Wendy Carr (Anna Torv), que os ajuda a montar um estudo amplo sobre a mentalidade dos assassinos em série, a ser usado para balizar a formação de novos policiais. Não demora, no entanto, para que a psicologia desconcertante dos assassinos, bem como o mergulho na crueldade de seus crimes, afete a equipe, provocando um choque entre as diferentes visões dos três principais envolvidos.
Fincher, que dirigiu quatro dos 10 episódios da primeira temporada, traz para a série seu tom habitual. A paleta de cores é sombria, o que atenua até mesmo a exuberância de alguns dos coloridos figurinos de época. O ritmo também é minucioso, orquestrado. É uma série que se sustenta na palavra e no diálogo bem escrito, ressaltado pelo elenco em que não brilham estrelas muito conhecidas, o que acentua o caráter documental da obra. Cada entrevista com um novo serial killer (dois deles se destacam ao longo da temporada, Ed Kemper e Jerry Brudos, mas há outros, a maioria retirados da crônica policial real, como mostra a lista abaixo) é um jogo de gato e rato atrás do maior mistério para os protagonistas e para série: como pensa alguém capaz de tamanha violência.
DE FATO E DE FICÇÃO
Os assassinos reais mostrados em Mindhunter:
EDMUND KEMPER
-Nascido na Califórnia em 1948, ficou conhecido como "O Gigante" devido a sua estatura (2,06m) ou como "O Assassino de Colegiais". Além de haver matado os avós e de ter assassinado a mãe e brutalizado seu cadáver, foi responsável pela morte de várias adolescentes entre 1972 e 1973.
JERRY BRUDOS
-Denominado "O Assassino do Salto Alto", raptou e matou quatro jovens mulheres entre 1968 e 1969. O fato, amplamente divulgado pela imprensa sensacionalista, de que cometeu seus crimes vestido de mulher e que era fetichista por sapatos sedimentou em parte da opinião pública a associação preconceituosa entre perigo e práticas sexuais não ortodoxas.
RICHARD SPECK
-Em 14 de julho de 1966, invadiu um apartamento em que morava um grupo de estudantes de enfermagem, em Chicago. Violentou uma e a matou, assim como outras sete jovens. Uma das garotas, escondida embaixo da cama, escapou do assassino, que se perdeu na conta macabra. Uma curiosidade: o crime de Speck também foi um mote central no capítulo quatro da quinta temporada de Mad Men.
MONTIE RALPH RISSELL
-Dos serial killers retratados na série, foi o que cometeu seus crimes mais jovem. Entre os 14 e os 19 anos, estuprou 12 mulheres e assassinou cinco antes de ser preso em 1977.