Os irmãos adotivos retratados em The Umbrella Academy, a nova série da Netflix, não são super-heróis comuns. Têm poderes pouco convencionais – a Rumor, por exemplo, consegue fazer coisas acontecerem apenas falando o que deseja em voz alta – e foram criados por um pai emocionalmente distante, uma mãe androide e um chimpanzé falante.
A maior parte disso é revelada em flashbacks, pois a série começa quando o grupo, que se separa após ceder à pressão das responsabilidades de combate ao crime, se reencontra após a morte misteriosa de Sir Reginald Hargreeves (Colm Feore). Ao longo de dez episódios, os espectadores vão descobrir se os membros da família conseguirão superar os traumas do passado para prevenir um apocalipse previsto pelo irmão, cujo poder é viajar no tempo.
Leitores do gibi, escrito por Gerard Way e desenhado por Gabriel Bá, podem achar que têm uma vantagem inicial, mas isso é apenas parcialmente verdade. Na série da Netflix, em que Tom Hopper, Ellen Page e Robert Sheehan, entre outros, formam o clã tão talentoso quanto briguento, serão incluídos momentos ainda inéditos na história em quadrinhos, que começou em 2007 e ganhou o prêmio Eisner de melhor série limitada em 2008.
— Escrevi esse documento de 20 páginas que detalha todo mundo, como seus poderes funcionam e para onde a história está caminhando — contou Way, que, assim como Bá, é produtor-executivo do programa. (Segundo Way, eles decidiram tudo, desde a história até os figurinos e o cenário.)
Apesar do sucesso que The Umbrella Academy desfruta no universo dos quadrinhos, Way talvez seja mais popularmente conhecido como o antigo vocalista da banda de rock My Chemical Romance – ele gravou uma versão cover de Hazy Shade of Winter para a série. Em uma recente entrevista por telefone, Way discutiu as duas versões de The Umbrella Academy e os quadrinhos que o influenciaram. A seguir, alguns trechos editados dessa conversa.
P: Como você teve a ideia para criar a história original de The Umbrella Academy?
R: Minha inspiração inicial veio de coisas distintas. Sempre fui fã da Era de Prata da Marvel e cresci lendo X-Men, de Chris Claremont. Os personagens da Marvel traziam muitas questões e problemas, mas eu queria dar a eles problemas mais profundos e complexos. Eu também estava lendo Hellboy, de Mike Mignola, e para mim soava como um gibi de terror pós-moderno. Não existia nada nesse sentido para super-heróis. Normalmente, tento fazer coisas que eu gostaria que existissem – que eu teria prazer em escutar ou ler.
P: Quando você percebeu que a história estava se conectando com os leitores?
R: A conexão aconteceu muito rapidamente. A primeira edição saiu, e acho que muitas pessoas esperavam que fosse ser muito ruim. Afinal, eu vinha de uma banda de rock. Poucos sabiam que eu tinha escrito um gibi aos 15 anos, que aprendi sobre cartum e ilustração na Escola de Artes Visuais, onde estudei histórias em quadrinhos durante muitos anos, e depois entrei para a DC Comics (editora especializada no tema). Muitas pessoas esperavam um projeto fútil. E não as culpo por isso.
P: É estranho ver outra pessoa comandando The Umbrella Academy agora, pelo menos na TV?
R: Nunca senti que estivesse perdendo o controle, mas sim abrindo mão de um pouco do controle. No começo, me perguntaram quão intimamente eu gostaria de trabalhar com o showrunner e se queria estar no set todos os dias. Eu estava realmente concentrado no gibi e criando a mitologia que inspiraria o programa. Eu também tinha começado um selo com a DC Comics; portanto, havia muitas coisas acontecendo. Quando me dedico a algo, vou com tudo. Teria até dormido no set. Eu não achava que fosse o momento de mergulhar no mundo da TV daquele jeito. No futuro, talvez isso mude, mas na ocasião eu meio que entreguei o controle a Steve Blackman (o showrunner) e a todos os responsáveis pela realização do programa. Nunca senti que não éramos escutados.
P: A família da televisão tem muito mais diversidade do que a do gibi. Você teve influência nisso?
R: Tive. E a melhor mudança foi ter um elenco muito mais inclusivo e plural do que o que temos no material original. Acredito que tenha sido uma evolução extraordinária. Foi algo que conversamos desde o começo. Tínhamos essa grande oportunidade porque essas são crianças adotadas de todas as partes do mundo, portanto poderiam realmente ser de qualquer lugar.
P: Por que você não usou a mesma abordagem no gibi?
R: Eu não era um ouvinte muito bom. Passei muitos anos apenas berrando e estando no controle das coisas. Eu não entendia as histórias das outras pessoas. E o que aprendi a fazer nos últimos anos foi a me calar e escutar pessoas de diferentes origens, prestando atenção às suas lutas. Diversidade é um tema que abordamos nos quadrinhos de The Umbrella Academy. É algo em que Gabriel e eu atuamos ativamente.
P: Qual o seu envolvimento com as escolhas musicais da versão da série para a TV?
R: Não opinei muito na trilha-sonora. Steve tem um olhar muito singular sobre as músicas que ele quer no programa. Ele chega a escrever as canções no roteiro, de modo que não intervim nas escolhas musicais. Mas, claro, sou fã do Queen, obviamente, e realmente gosto daquela música da Tiffany. Sou mais inclinado a escolher coisas que sejam um pouco underground ou que talvez as pessoas não tenham escutado antes.
P: Você fazia música e performances, e agora escreve histórias em quadrinhos e é jurado em um programa de televisão. Essas habilidades distintas convergem?
R: Sempre me vi como um pensador visual. Sempre considerei The Umbrella Academy um gibi, apesar de, na minha cabeça, ela também se desenvolver como um filme. Mas todos esses trabalhos se retroalimentam e aprendo com todos eles. Por exemplo, é interessante atribuir notas a roteiros e programas de TV e empregar os mesmos critérios para minha autoavaliação no gibi, e vice-versa.
P: Quais criadores de quadrinhos influenciaram você? Grant Morrison apareceu em um de seus videoclipes.
R: Ele foi muito generoso ao interpretar o vilão na história do último álbum gravado pela My Chemical Romance, The True Lives of the Fabulous Killjoys. Sou muito amigo de Grant. Ele não é apenas um amigo, mas um mentor. Quando você lê um gibi de Grant Morrison, há mais ideias em cada página do que em uma edição inteira de um romance gráfico. Um dos melhores conselhos que ele já me deu foi: "Não economize suas ideias, use todas, porque você terá outras." Sempre penso nisso. E a imaginação louca dele me inspirou a tentar explorar a minha própria.
P: Qual o maior obstáculo para suas múltiplas buscas criativas?
R: É o momento de alcançá-las. Esse é o maior obstáculo. Minha família também é importante para mim, e uma das grandes vantagens de ter começado a escrever histórias em quadrinhos foi ter sido capaz de passar bastante tempo com ela e ver Bandit (a filha) crescer, estando disponível para ela como pai. Isso me fez recusar turnês. Mas estou muito concentrado nos quadrinhos porque estou em casa. Se tudo der certo, terei tempo de concluir a série da maneira que ela merece.
Por George Gene Gustines