Edson Celulari foi homenageado com o Prêmio Oscarito nesta segunda-feira (20), no Palácio dos Festivais, pelo 46° Festival de Cinema de Gramado. Aos 60 anos, sendo 40 só de teledramaturgia, ele recebeu a distinção reservada aos grandes atores e atrizes do cinema brasileiro. Sua consagração vem dois anos após se curar do câncer.
— Quantos prêmios existem no Brasil reconhecendo uma carreira? São muito poucos. Me sinto muito honrado em receber o Oscarito. Para mim, é um grande estímulo de reconhecimento, são 40 anos de trabalho como ator. Com certeza é um estímulo para os próximos 40, pois agora vocês me aguentem, quero trabalhar como ator, quero dirigir, quero produzir — destacou o ator em coletiva de imprensa.
Natural de Bauru, interior de São Paulo, seu interesse pela interpretação surgiu na adolescência. Apesar de atuar em um grupo de teatro amador, ele exercia a atividade escondido de seu pai, Edno, que achava que um diploma importante deveria ser a prioridade de seus filhos. Para convencê-lo de que poderia seguir a carreira de ator, Celulari escreveu um monólogo apelativo, no qual vivia um mendigo faminto em um dia de Natal. Ao final do espetáculo, o jovem recebeu o feedback mais importante de sua vida:
— Meu filho, você leva jeito. Tem faculdade disso?
Celulari mudou-se de Bauru para São Paulo aos 17 anos, para estudar na Escola de Arte Dramática da USP.
— Tive uma passagem para a faculdade de maneira bem clássica: com mala na porta de casa, com todo mundo desejando que eu conquistasse meu espaço, em busca de um lugar ao sol, aquela coisa toda. E lá fui eu. Era menino do interior, pois vivi muito tempo na zona rural de Bauru também. Defrontei-me com uma cidade gigante, tive essa dificuldade. Para me manter, tive que trabalhar. Era um curso de formação, mas foi uma escola que me deu muita informação. Era 1977 quando entrei, ainda havia resquícios do movimento estudantil, tinha muita greve. Quando tinha greve ou férias, meu grupo ficava realizando ciclo de leituras de peças proibidas, nos estimulando de outras formas para ocupar o tempo — lembra o ator, que se formou na turma de 1977.
A carreira de Celulari na televisão começou em 1978, em uma participação na novela Salário Mínimo, da TV Tupi. Mas antes:
— Fui falar com o Antônio Abujamra, então diretor artístico da TV Tupi. No primeiro dia, ele não me recebeu. No segundo, também. No terceiro, eu entrei na sala dele, que estava com outras pessoas, falei: “Sou Edson, fui indicado para um pequeno papel na próxima novela”. Abujamra respondeu: “Ah, então mostre os dentes”. “Como?”, retruquei , e ele insistiu. Me indignei: “Eu não sou cavalo!”. Saí brigando. Na escada, Abujamra disse que era uma brincadeira: “Não sei nem se você é bom, mas já ganhou o papel”. Depois nós trabalhamos juntos em vários projetos — recorda.
Dois anos depois, trabalhou em Marina, sua primeira novela na TV Globo. Ainda em 1980, ele estreou no cinema protagonizando Asa Branca – Um Sonho Brasileiro, de Djalma Limongi Batista, que retratava a trajetória de um jogador de futebol do interior.
O ator daria sequência aos seus trabalhos no cinema com a comédia Os Vagabundos Trapalhões (1982) e Inocência (1983), drama de época dirigido por Walter Lima Jr. e baseado no livro de mesmo nome do Visconde de Taunay, no qual faria par com Fernanda Torres. Em 1985, estrelaria o musical Ópera do Malandro, de Ruy Guerra, adaptação musical do espetáculo de Chico Buarque.
Entre outras produções, Celulari participaria da comédia For All - O Trampolim da Vitória, que faturou seis Kikitos (incluindo o de melhor longa brasileiro) no festival de 1997, e Diário de Um Novo Mundo, de Paulo Nascimento, que foi premiado em duas categorias (júri popular e roteiro) no Festival de Cinema de Gramado de 2005. Seu filme mais recente, Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos, foi lançado em maio. No longa, ele repete sua parceria com Nascimento. Aliás, está prevista uma nova produção envolvendo os dois.
— Muita coisa me atrai aqui para o Sul. Tenho um novo projeto, e esse que eu quero dirigir também, que é uma história do Paulo Nascimento. Chama-se Do Atlântico ao Pacífico. Também será pela Accorde Filmes, produtora gaúcha. O cinema está me atraindo para cá. O Sul é uma força cinematográfica, é um pólo representativo — diz. — É o cinema gaúcho na veia (risos). Eu e Paulo temos outros projetos, não só esse filme — completa.
Edson deu mais detalhes sobre Do Atlântico ao Pacífico:
— É uma história de um pai e de uma filha que viveram separados após o divórcio dos pais. Ele quer retomar, depois de alguns anos, a relação com essa adolescente. Ele propõe a filha para fazerem uma viagem do Atlântico ao Pacífico, passando pelo Uruguai, Argentina e Chile. É a tentativa desse pai de deixar um legado para a filha. Seria uma história intimista, um road movie de emoção, que teria passagens engraçadas. Mas ainda temos um roteiro muito largo. Temos ainda que dissecar e depurar isso tudo.
Experiente como ator, Edson já sabe o que esperar nas funções atrás das câmeras:
— Acho que são novos problemas (risos) — diverte-se. — Dirigir um filme engloba um espaço e responsabilidade diferentes das do ator. Uma responsabilidade narrativa, um diálogo com todas as frentes de criação. Isso me fascina. Não tenho nenhuma pretensão de criar nenhum novo tipo de linguagem. Quando entro em um set para realizar meu trabalho de ator, meu objetivo é contar uma história, que é o que continuarei tentando como diretor — assinala.
Palco e TV
No teatro, atuou em montagens como Hairspray (2009), Dom Quixote de Lugar Nenhum (2007), Nem Um Dia se Passa sem Notícias Suas (2012), entre outras. Aliás, ele dá nome a uma casa de espetáculos em sua cidade natal, Bauru.
Sua produção mais prolífica se concentra na televisão, onde começou a se destacar ao viver Carlos no folhetim O Homem Proibido (1982). Dois anos antes, iniciou sua parceria com o autor Silvio de Abreu em Plumas & Paetês. Ele voltaria a atuar para o dramaturgo em novelas como Guerra dos Sexos (1983), Cambalacho (1986), Sassaricando (1987), Deus nos Acuda (1992) e Torre de Babel (1998).
Celulari saiu da Globo em 1988 para fazer a minissérie Chapadão do Bugre, baseada no romance de Mário Palmério, na Band. Conforme o ator, ele aceitou o convite somente para realizar seu sonho antigo de trabalhar com Walter Avancini. Ele voltou a trabalhar com Avancini em 1990, no SBT, em Brasileiros e Brasileiras.
Em 1989, ele retornaria à Globo para atuar em Que Rei Sou Eu?, de Cassiano Gabus Mendes e Luiz Carlos Fusco. Na novela, ele interpretou Jean Pierre, um líder revolucionário e filho bastardo do rei.
Ao seu currículo, Edson Celulari agregou novelas como Fera Ferida (1993), Explode Coração (1995), Vila Madalena (1999), América (2005), Páginas da Vida (2006), Beleza Pura (2008), A Força do Querer (2017), além de minisséries como Dona Flor e Seus Dois Maridos (1998), na qual viveu Vadinho.
Atualmente, Edson está no ar em O Tempo Não Para, novela das 19h, na qual vive Dom Sabino – um médico que foi congelado no século 19 e é despertado em 2018.
— Nós começamos atrasados (O Tempo Não Para) porque seria uma novela para o próximo ano que foi antecipada. Era comum um cuidado da forma de falar, a prosódia do século 19 era uma preocupação. Será que o público vai se distanciar? Isso vai ser um empecilho na comunicação? Para nossa surpresa, não foi. O público repete hoje as frases como se fossem hits. Tenho uma filha adolescente de 15 anos (Sophia) e um filho de 21 anos (Enzo), então estou sempre próximo aos amigos dessas gerações, e eles estão enlouquecidos pela novela. Eles não têm vergonha de dizer “ah, estou vendo uma novela”. Há pais que nos dizem assistir à novela com toda a família — relata.
Conforme Edson, a receptividade do público tem sido uma surpresa positiva:
— Meu personagem, que achei que tinha um pouco de graça, se tornou um personagem muito divertido para essa plateia. Mais do que eu imaginava. Já me disseram: “Você é comediante”. Só estou fazendo um personagem, é aquele espaço do Dom Sabino. É muito gratificante estar fazendo um trabalho com esse perfil, que é inteligente. Nós nos divertimos, mas é uma novela muito trabalhosa. Todo folhetim é trabalhoso, mas esse projeto tem suas questões particulares, como a prosódia e a diferença de período. Estamos enfrentando com fôlego, “só falta agora 150 capítulos” (risos).
Dom Sabino foi seu primeiro papel na TV após ter se curado do câncer.
Batalha superada
Em junho de 2016, o ator foi diagnosticado com linfoma não-Hodgkin. Após cinco meses de tratamento, comunicou ter superado a doença. Essa batalha trouxe reflexões.
— Primeiro que superei, que bom. Muita gente não consegue. Eu consegui. Não é simples, é um susto, uma finitude que você se depara. Nenhum momento questionei “por que eu? Sou tão bonzinho”. Não teve esse momento. Tive a sorte de ter um protocolo pronto de medicação, deu tudo certo. Mas você percebe o seu tempo. Por mais que a gente não pense, todos iremos partir um dia. Ter superado a doença após meses de radioterapia e quimioterapia me deu a oportunidade de refletir sobre coisas e também criar prioridades, profissionais, de vida, de tudo. Acho que aproveitei esse tempo para isso. Você sai mais forte, com certeza — garante.
Entre 1993 e 2010, Edson foi casado com a atriz Claudia Raia, com teve dois filhos: Enzo e Sophia. Desde 2017, está casado com a atriz Karin Roepke.
Mais 40 anos
Na homenagem, Edson Celulari foi recebido por um dançarino caracterizado como personagem do filme Ópera do Malandro. Os dois arriscaram passos de samba no palco. Ao receber o Troféu Oscarito, o ator se emocionou antes de seu discurso:
— Agora de mãos dadas com o Oscarito, ninguém me segura. Estou pronto para mais 40 anos, não só como ator, mas como diretor também — garantiu.