Antes mesmo da estreia na Netflix, marcada para esta sexta-feira (23), é possível prever que a série O Mecanismo vai desagradar boa parte do público – e não necessariamente por motivos artísticos.
Em ano de eleição e em um ambiente mais polarizado do que nunca – com enfrentamentos entre esquerda e direita migrando das redes sociais para as ruas –, uma série em que políticos, empresários e membros do Judiciário são transformados em personagens fictícios (pero no mucho...) tem tudo para acender ainda mais os ânimos. Ou não?
– Quem acha que a sua série ou o seu filme pode influenciar o debate eleitoral tem mania de grandeza. Não vai influenciar nada. É ridícula a ideia de que uma série da Netflix pode influenciar uma eleição – afirma o criador de O Mecanismo, José Padilha, um dos diretores de Narcos (2015), também produzida pela Netflix, e dos dois Tropa de Elite (2007 e 2010).
Inspirada no livro Lava Jato – O Juiz Sergio Moro e os Bastidores da Operação que Abalou o Brasil, escrito pelo jornalista Vladimir Netto, a série começa 11 anos antes do início da operação, em 2003, quando o delegado Marco Ruffo (Selton Mello) tenta prender um amigo de infância, o doleiro Roberto Ibrahim (Enrique Díaz), envolvido em remessa ilegal de dólares para o Exterior.
Apesar de todo o esforço para reunir provas, Ruffo acaba esbarrando na histórica dificuldade para punir criminosos de colarinho branco – especialmente os bem relacionados como Ibrahim. Dez anos depois, é a policial Verena (Caroline Abras) quem está à frente das investigações.
Com o apoio do Ministério Público e do juiz Paulo Rigo (Otto Jr.), Verena finalmente consegue colocar Ibrahim atrás das grades, junto com João Paulo Rangel – diretor da estatal Petrobrasil ligado ao esquema que financia a campanha de reeleição da presidente Janete (Sura Berditchevsky). Em março de 2014, teria início a Lava-Jato.
Nos três episódios liberados para a imprensa antes da estreia, desfilam personagens reais com nomes trocados – além de Dilma Rousseff e do juiz Sergio Moro, aparecem Lula, Temer e o empresário Marcelo Odebrecht. A experiente roteirista Elena Soarez disse que seu maior desafio foi acertar o ponto certo nessa arriscada combinação entre fatos quentes e ficção com alcance global:
– Você tem que ficar o tempo todo equilibrando a fidelidade ao espírito da investigação com o entretenimento. Há um excesso de plots e miniplots reais que a gente poderia ter utilizado e que foi escolhendo conforme eles serviam à dramaturgia.
Padilha explica que a expressão “o mecanismo”, que dá titulo a série, refere-se ao ciclo vicioso da política brasileira, em que empresários dão dinheiro a políticos, que quando eleitos nomeiam pessoas para cargos-chave, que por sua vez possibilitam o superfaturamento que gera mais dinheiro, que enriquece empresários e abastece os partidos – e assim indefinidamente:
– Existem países com casos de corrupção. No Brasil, a corrupção faz parte do sistema político, é a norma. É como a política funciona em todos os municípios do país, nos Estados e no governo federal, do fabricante de lápis à empreiteira. Envolve o Legislativo e o Executivo, com certeza. O “mecanismo” não tem ideologia. Esquerda e direita agem da mesma forma – afirma.
Para Padilha, que abordou a crise da segurança pública em Ônibus 174 e nos dois Tropa de Elite, a corrupção é o tema inescapável que perpassa todas as grandes questões do país:
– A corrupção está por todos os lados, nos problemas da educação, da saúde, da segurança pública... É impossível fazer um filme sobre qualquer assunto no Brasil sem tocar nesse ponto.
Os oito episódios de O Mecanismo estreiam hoje em 190 países, para mais de cem milhões de assinantes da Netflix.
* A repórter viajou a convite da Netflix
O Mecanismo
De José Padilha. Direção de Daniel Rezende, Felipe Prado e Marcos Prado. Roteiro de Elena Soarez. Com Selton Mello, Caroline Abras e Enrique Díaz. Na Netflix.