O cineasta José Padilha, criador da série O Mecanismo, manifestou-se sobre as críticas que o seriado da Netflix recebeu de parte do público desde sua estreia no catálogo da plataforma de streaming. Em entrevista ao Observatório do Cinema, do Uol, Padilha afirma que "para quem sabe ler" é possível separar a série da realidade. Além disso, defende que a "realidade dos fatos" não é tão clara assim.
No domingo, a ex-presidente Dilma Rousseff publicou um texto em seu perfil oficial no Facebook no qual acusa a série de ser mentirosa e dissimulada. Na publicação, Dilma afirma que José Padilha manipula os acontecimentos da Operação Lava-Jato para atacar ela e o ex-presidente Lula. Um das principais críticas é sobre o termo "estancar a sangria", usado na vida real em uma conversa do senador Romero Jucá com o delator Sérgio Machado, na qual Romero diz ser preciso fazer um grande acordo nacional para estancar a sangria da Lava-Jato. Na série, as declarações são atribuídas ao personagem João Higino, baseado no ex-presidente Lula. Padilha define esse debate como "boboca".
– Não escrevi o roteiro do episódio cinco, nem o dirigi. O roteiro foi de Elena Soárez e a direção foi de Marcos Prado. Seja como for, chequei os diálogos. São diferentes. Não houve transcrição por parte da Elena. Além disso, a repetição do uso de uma expressão idiomática comum, como "estancar a sangria", não guarda qualquer significado. Delcidio usou a expressão "acordo". Se Higino falar "acordo" ele é o Delcidio? O fato de o Jucá ter usado a expressão "estancar a sangria" não a interdita. Escritores continuam livres para fazer uso dela. De fato, esse é um debate boboca, mas que revela algo: se a principal reclamação é o uso desta expressão, pode-se imaginar que o público petista está achando difícil negar todo o resto. Nada a dizer quanto aos roubos e desvios de verba públicas praticados por Higino e Tames com os empreiteiros…? Hummm… Interessante – disse o cineasta em entrevista ao Observatório do Cinema.
Na opinião de Padilha, a série embrenha-se no sistema político corrupto e não tem o objetivo de atacar algum político ou partido especificamente. Assim, as discussões sobre as falas dos personagens não deveriam ganhar tanta relevância:
– Essa turma nāo entendeu que a série é uma crítica ao sistema como um todo e nāo a esse ou àquele político ou a qualquer grupo partidário. Por isso se chama O Mecanismo. Assim, misturar falas ou expressōes de um político-personagem que o público pode confundir quem falou nāo tem a menor importância, pois sāo todos parte do sistema. É esse mecanismo que queremos combater.
Sobre as acusações de distorção da realidade dos fatos, Padilha se defendeu lembrando que não há uma única verdade sobre os acontecimentos:
– Quem é que detém o domínio da "realidade dos fatos" a que você se refere? O Lula? O Temer? O STF? O Marcelo Odebrecht? Me diz a versão realmente verdadeira que te digo como não distorcê-la.
Além disso, o cineasta nega qualquer aproximação com as fake news. Questionado se a série acaba criando um ruído de informação já que muita gente não consegue separar ficção de realidade, ele é enfático:
– Na abertura de cada capítulo da série avisamos que fatos foram alterados para efeitos dramáticos. Para o pessoal que sabe ler, portanto, não há ruído algum.