Clarice Falcão nunca havia pensado em escrever um axé. Mas essa foi apenas uma das invenções da atriz, cantora e comediante em Especial de Ano Todo, espetáculo de música e humor gravado ao vivo no Rio de Janeiro, que estreia nesta sexta-feira no catálogo da Netflix. A partir do conceito do especial de fim de ano, a pernambucana divide sua apresentação em 12 números – um para cada mês – e brinca com a tradição das datas comemorativas. Em entrevista por telefone, ela fala da experiência de sair da zona de conforto e apresentar comédia ao vivo e dos desafios das mulheres que fazem humor.
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Como você começou a trabalhar com a Netflix e concebeu a ideia do espetáculo?
Foi um convite da Netflix, que me pediu um especial de comédia, gravado ao vivo em um teatro. Até perguntaram se eu tinha um stand-up que apresentasse ou algo em que estava trabalhando. Apesar de adorar ver stand-up, não é muito o tipo de humor que eu sei fazer. Mas queria muito fazer esse especial e lembrei que achava engraçada a coisa do especial de fim de ano, que é uma coisa gravada ao vivo, com plateia, que pode ter um pouco de tudo, com música, falas, esquetes. Como o catálogo da Netflix fica disponível o ano todo, um especial de fim de ano ficaria solto, esquecido. E tive a ideia de fazer um especial de ano todo, com 12 números, um para cada mês.
Fale um pouco da experiência de escrever um roteiro para um especial assim.
Diferentemente do stand-up, eu podia fazer qualquer coisa, e por trás de um personagem. Apesar de ser com meu nome, eu interpreto uma personagem. E ela é bem escrota, acha que é uma celebridade muito importante e não é... É óbvio que tem muito de mim, da minha carência. É um alter ego, um pedaço de mim horrível, mas é, entendeu? Foi muito divertido, porque do nada eu podia inventar uma música sobre o dia do sexo, de repente compor um axé. O fato de ser do ano todo dava muita liberdade para eu fazer o que quisesse.
Qual foi seu número preferido?
Para começar, acho que o momento em que o público entende a proposta é fevereiro, que é um axé. Gostei muito de fazer o axé, porque é bem Ivete Sangalo, eu apareço com umas penas na cabeça. Gosto muito de novembro, que é Finados, faço um in memoriam seriíssimo, e do número musical, que é meio dedicado à Netflix, meio musical da Broadway, que foi legal de fazer porque tinha coreografia e trabalhamos com um corpo de baile. Eu danço muito mal... (risos)
Como você analisa o humor feito por mulheres no Brasil e fora dele?
Já tínhamos boas comediantes mulheres desde Dercy Gonçalves (1907 – 2008). Mas acho que estamos começando a respeitá-las mais. É muito diferente ser comediante e ser mulher porque a gente já parte tendo que se provar. Quando a pessoa não está aberta para rir, ela não ri. É por isso que tem tanto humor autodepreciativo de mulher. Tem que dizer "estou aqui, estou pronta para falar mal de mim sim, vamos lá, encare como você encararia um cara". Eu tentei muito ignorar essa coisa de ser ou não ser mulher, tentei pela primeira vez fazer uma coisa que eu achasse engraçada. Só por ter uma visão feminina, pelo fato de ter sido eu que escrevi, já é outro tipo de humor. Temos que parar de tentar ser igual aos caras e falar "caralho", temos temas nossos, que não foram explorados ainda, não tem como um cara explorar. Acho que finalmente estamos entendendo isso, podendo, depois de muito brigar, encontrar um tipo de humor que parte da nossa vivência e que as pessoas querem ouvir. As pessoas estão cansadas de ouvir as histórias contadas por homens brancos ricos.
Especial de Ano Todo
Musical de Clarice Falcão com duração de 1h15min.
Disponível na Netflix a partir de sexta-feira (4/8).
Clarice Falcão indica outras humoristas para acompanhar:
Dani Calabresa e Tatá Werneck – "Cada uma tem um jeito próprio de fazer humor. Não estão tentando imitar ninguém, não estão tentando se provar, elas apenas são muito naturalmente engraçadas."
Tina Fey e Amy Poehler – "Lá fora, acho que elas também têm isso de serem simplesmente muito engraçadas."
A série Broad City – "O seriado é escrito e protagonizado pelas atrizes Ilana Glazer e Abbi Jacobson, que são meio dessa escola do improviso e são muito divertidas. O seriado é muito legal. Não é um humor que você consideraria feminino, porque já vi muito disso: "Vamos fazer um stand-up feminino, vamos falar de depilação...". Aff, que saco, sabe? É o humor que elas querem fazer, e só de serem mulheres e terem essa vivência já se torna uma coisa diferente.