Vamos direto ao ponto: você é um gaúcho pilchado, com direito a lenço no pescoço, faca na cintura e cuia na mão. Entra em cena acompanhado por um gaiteiro e adorna a mesa com uma bandeira do Rio Grande do Sul. É sua chance de, a um só tempo, mostrar para todo o país a culinária do nosso Estado e ingressar na cozinha do MasterChef Brasil 4.
Mas não acontece nem uma coisa nem outra.
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Você apresenta um prato bem feinho e desprovido de identidade gauchesca, um frango com maracujá acompanhado por abacaxi com canela, leva três nãos dos jurados e ainda por cima vira alvo involuntário de críticas a um "comentário machista".
Sim, escrevi involuntário e botei aspas no "comentário machista" (boto de novo para não deixar dúvidas da minha opinião) porque Paulo Ricardo Amaral, o gaúcho que tentou uma vaga no MasterChef no episódio de estreia da quarta temporada, nesta terça-feira, foi mais uma vítima da pressa, este mal que nos aflige, que nos impede de entender uns aos outros e que, sobretudo na internet, converte-se em sanha justiceira.
Já voltamos a esse ponto, afinal, nós não temos pressa, né? Recém estamos começando nossos encontros das quartas-feiras, que vão se estender por quase seis meses. Esta é uma temporada superlativa do MasterChef. Foram 27,5 mil candidatos inscritos, serão 25 episódios (25 intermináveis noites de terça!), e o prêmio em dinheiro subiu para R$ 200 mil. Há, inclusive, mais gringos no programa, além da argentina Paola Carosella e do francês Erick Jacquin, que formam o trio de jurados com o brasileiro Henrique Fogaça: ouviu-se três pessoas da produção falando com sotaque espanhol nas cenas de bastidores, e uma tailandesa e uma venezuelana já estão entre os 21 concorrentes classificados.
Por falar em Paola, a chef desempenhou papel decisivo nos momentos de vergonha alheia. Sua reação ao primeiro candidato chegou a contradizer o espírito acolhedor com o qual ela saudou os participantes, com um discurso de que "o MasterChef voltou às raízes", de que o programa valorizaria os amadores, aqueles que não são profissionais mas amam cozinhar. Pois bem. Depois que o tatuador, DJ e modelo Fernando preparou um bobó de camarão servido na pupunha, a argentina detonou com crueldade:
- Meu bem, tá horrível isso. Horrível. Horrível. Horrível. Horrível. Horrível. Horrível. Horrível. Horroroso. Me faz mal.
Um exagero, não? Assim como foi precipitada sua resposta a um comentário do nosso gaúcho.
Antes, contudo, vamos falar um pouco mais sobre os candidatos que antecederam o Amaral, porque ajudam a estabelecer um contexto para o seu desastre - pelo menos para seu desastre culinário. Faltou coração - não coração de galinha, embora isso fosse mais gauchesco - em seu prato, algo que sobrou, por exemplo, na moqueca capixaba de dona Marzilia (o meu Cristiano desta temporada, inclusive pela vida longe das panelas: ele era agente de trânsito, ela, ex-funcionária do Detran), na paella reinventada de Bruno (que, ao ganhar o avental, disse "agora é contar pra mãe!") e no ovo cozido frito com molho de tamarindo da Yukontorn, a Jiang deste ano: a tailandesa parece ser inventiva e é divertidíssima, muito espirituosa. Suas tiradas sobre o namorado ("tá gordo!") e sobre pimenta me deixaram com um sorriso permanente.
Minto: o sorriso foi murchando à medida que o Amaral se apresentava. Acho que tem a ver com esse sentimento complexo que nós, os gaúchos, temos. De modo geral, somos bairristas, mas condenamos o bairrismo. Pior ainda é quando a exaltação da tradição não é perfeita - até o chimarrão contribuiu para a derrocada de Amaral no programa e nas redes sociais: estava entupido quando Paolla quis tomar, e já não havia mais água quente para trocá-lo. Conheço gente que, diante da TV, só não enfiou a cara debaixo das cobertas porque, afinal, estamos no verão. Sendo bem sincero, não me incomodei com a indumentária e a parafernália levadas pelo Amaral ao programa; o que me incomodou foi a desconexão entre seu, digamos, personagem e o prato que serviu. E fiquei com dó dele: locutor de ofício, Amaral morreu mais pela boca do que pela comida.
E quem o matou no mundo virtual foi Paola, a "prenda do MasterChef", como ele chamou. Acho que aí o tiro do gaúcho começou a sair pela culatra. Predispôs a argentina a acreditar que estava diante de um machista de carteirona (porque homem que é homem não usa carteirinha, né?). Daí que, quando Amaral disse que era açougueiro, que entendia de corte de carnes e que por isso se identificava com Paola, ela não deu ouvidos a ele. Não quis entender o que ele disse, embora ele já tivesse afirmado que, como gaúcho, tinha apreço por ela ser "carnívora", por ela ser uma entusiasta das carnes vermelhas. Não. Quando Amaral disse que era açougueiro e que por isso se identificava com Paola, a argentina disparou:
- Por quê? Por que eu sou um pedaço de carne?
Desarmado (tá, ok, tinha a faca), desprevenido, o locutor Amaral calou-se. Não soube, não conseguiu refutar a acusação. E aí, com a força e a popularidade de Paola na internet, sua manifestação de carinho foi transformada em um "comentário machista". Podem procurar no Google - vocês verão manchetes como "Paola Carosella rebate comentário machista no MasterChef", "MasterChef estreia com patada antimachismo", "Paola responde comentário machista logo na estreia de MasterChef", acompanhadas por tuítes de telespectadores dando moral para Paola e espinafrando Amaral.
A pressa e a sanha justiceira tapam ouvidos. Lembre-se disso na próxima vez em que for atacar alguém - de preferência, antes de atacar.
P.s. 1: "Pare de cozinhar e vá comer num restaurante. Sua vida vai ser mais fácil." JACQUIN, Erick.
P.s. 2: "Jesus era um bom garfo." ARLINDO, Pastor.