*** Informações foram adicionadas à reportagem às 12h45min de 5 de janeiro.
Em 2023, não faltaram polêmicas envolvendo a Lei de Incentivo à Cultura estadual (LIC-RS), principal mecanismo público regional de financiamento à cultura, que ocorre em parceria com a iniciativa privada, por meio de isenção fiscal das empresas participantes. Por conta de mudanças nos critérios de priorização dos projetos aprovados, eventos tradicionais — como a Feira do Livro de Porto Alegre, o Festival de Cinema de Gramado, o Porto Alegre em Cena e o Acampamento Farroupilha —, que sempre contavam com estes recursos, ficaram sem acesso a eles.
Com o sistema da LIC-RS sendo alvo de críticas, o que gerava um desgaste político ao governo estadual, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou em novembro um projeto de lei que retira do Conselho Estadual de Cultura (CEC) – integrado por representantes de entidades culturais e do governo estadual – a responsabilidade de analisar e selecionar as iniciativas que buscam recursos. O governador Eduardo Leite sancionou a lei em 6 de dezembro de 2023.
A partir de agora, a Sedac terá a missão de contratar técnicos especializados que terão o controle sobre o dinheiro destinado a eventos e iniciativas culturais. Com a aprovação do projeto, a definição de critérios de julgamento passam ao controle do próprio governo. Em nota, a Sedac disse que a contratação de uma comissão especializada vai permitir um julgamento "mais qualificado, ampliando a participação social na fase de seleção".
Perspectiva de R$ 167 milhões
A secretaria ressalta que a mudança vai possibilitar que o CEC empregue esforços nas funções que lhe foram conferidas pelo artigo 225 da Constituição Estadual, que são estabelecer diretrizes e prioridades para o desenvolvimento cultural do Estado, fiscalizar a execução dos projetos culturais e a aplicação de recursos e emitir pareceres sobre questões culturais.
A Sedac trabalha na regulamentação da lei, definindo prioridades a partir de audiência pública realizada em 12 de dezembro. Uma consulta pública também foi aberta pela secretaria, o que deve auxiliar a definir detalhes. Em seguida, será aberto o banco de avaliadores e, posteriormente, terá início a inscrição dos projetos – o que está previsto para este primeiro trimestre.
Para 2024, a Sedac tem a perspectiva de disponibilizar R$ 167 milhões. Desse montante, R$ 70 milhões estão previstos para aplicação por meio da LIC-RS (fomento indireto, via renúncia fiscal) e R$ 97 milhões por meio do Fundo de Apoio à Cultura (fomento direto) – incluindo os valores descentralizados da União para Estados e municípios, por meio da Lei Aldir Blanc.
Histórico do caso
Sem recursos via LIC-RS no ano passado, grandes eventos precisaram ser realizados de forma mais enxuta ou dependendo das mobilizações de entidades municipais, estaduais, federais e privadas.
Além disso, cinco dos seis projetos gaúchos que foram contemplados para receber recursos do edital Natura Musical perderam o patrocínio conquistado por conta de impasses com a LIC-RS. Para receber o aporte financeiro disponibilizado pela empresa por meio de compensação fiscal, os projetos necessitavam de aprovação em alguma das rodadas de distribuição de recursos da LIC-RS, o que ocorreu somente para um deles – o novo disco do duo 50 Tons de Pretas.
A LIC-RS contava com um sistema de seleção que envolvia o CEC e a Sedac. A pasta estadual estabelecia as regras, os prazos de inscrição, a plataforma e os tetos por linha de projeto, enquanto o Conselho era o responsável por criar um ranking, que somaria valores até o limite estabelecido pela secretaria.
A então presidente do CEC, Consuelo Vallandro (a atual titular do cargo é Alessandra Carvalho da Motta), comentou em entrevista a GZH que as mudanças que acabaram levando à não priorização dos grandes eventos tiveram início em julho de 2022, diante de um aumento de demanda de pedidos. De acordo com levantamento do Conselho, o número de inscritos na LIC-RS chegou a 1.145 no ano passado, acima das propostas de 2021 (659) e 2020 (335). O montante do ano passado, portanto, exigia demanda de R$ 330 milhões, superior aos R$ 70 milhões disponibilizados por meio da lei.
Na ocasião, como observou Consuelo, os conselheiros indicados pela Sedac criaram uma mudança no formato da avaliação para acelerar e objetivar o processo: uma tabela numérica que atribuía valores aos critérios do CEC e regras para desempate, sendo a primeira a região do Estado que menos recebeu verbas da LIC-RS no ano.
Em março de 2023, após reclamações em audiência pública, o critério de desempate foi adaptado pelo CEC e passou a considerar o município que menos recebeu, conforme relatou Consuelo:
— A regra foi adaptada após uma audiência pública, promovida pela Sedac, em que muitos proponentes solicitaram a mudança dessa regra (baseada em regiões) por ela prejudicar cidades menores de regiões de grandes polos culturais, como a Região Metropolitana e a da Serra, e passou a ser considerado o município que menos recebeu recurso nos últimos 12 meses.
Consequentemente, os municípios que mais se beneficiaram da LIC-RS antes da mudança, como Porto Alegre, Bento Gonçalves, Caxias do Sul e Gramado, ficaram no fim da fila, e outros, como Alvorada, Gravataí e Nova Petrópolis, conseguiram ter projetos aprovados para captação de recursos.
A série de impasses culminou com o governador Eduardo Leite sancionando, em dezembro, a lei que altera a forma de avaliação do Sistema Estadual Unificado de Apoio e Fomento às Atividades Culturais — Pró-Cultura-RS, que inclui a LIC-RS.