A mudança nos critérios de avaliação dos projetos da Lei de Incentivo à Cultura (LIC) tem causado debate entre os envolvidos na organização de eventos no Estado. A alteração trouxe dificuldade no acesso de recursos a iniciativas como a Feira do Livro de Porto Alegre, o Festival de Cinema de Gramado e o Acampamento Farroupilha, o que não ocorria até 2022.
A LIC é um mecanismo de apoio à produção de manifestações artísticas e culturais que ocorre em parceria com a iniciativa privada por meio de isenção fiscal das empresas participantes.
A crítica de organizadores de grandes eventos é sobre os critérios de desempate de notas dos projetos, explica Vinícius Garcia, diretor de negócios da GAM3 Parks, que integra a comissão que organiza o Acampamento Farroupilha.
— Ele (o acampamento) foi preterido frente a projetos com relevância que não há a mínima comparação, tanto cultural quanto econômica. Caso nós não tenhamos apoio (para suprir a verba não captada via LIC), é muito provável que tenhamos de cortar 40% das apresentações culturais que temos durante o Acampamento Farroupilha — diz.
A organização fez três propostas de captação de recursos via LIC para a edição deste ano, uma de R$ 999.080,00 e outra de R$ 999.972,00, ambas, porém, foram recusadas.
O último projeto para obter a autorização está em fase de avaliação, que deve ter o resultado divulgado na próxima quarta-feira (12), tem valor próximo de R$ 1 milhão; veja detalhes do processo neste link. Vinícius Garcia, porém, é pessimista quanto ao processo:
— A chance de aprovação é praticamente inexistente.
A aprovação ocorre por meio de um projeto, que é avaliado e recebe uma nota a partir de seis quesitos: dimensão simbólica, dimensão cidadā, dimensão econômica, viabilidade, relevância e oportunidade. A avaliação máxima é cinco; se houver empate, os critérios de desempate são estabelecidos por um artigo:
- I - Projeto com maior nota na Dimensão Simbólica
- II - Projeto com maior nota na Dimensão Cidadã
- III - Projeto com local de realização em município que menos recebeu recursos da LIC nos últimos 12 meses
- IV - Projeto de segmento que menos recebeu recursos da LIC nos últimos 12 meses
- V - Projeto de município que aderiu ao Sistema Nacional de Cultura
- VI - Proponente residente em município que recebeu menos recursos da LIC nos últimos 12 meses
— Esse artigo enterra completamente os eventos de grande relevância cultural e turística para o Rio Grande do Sul. Não somos contra ter parte da verba da LIC para projetos de pequenas cidades do interior do Estado, isso deve acontecer, mas cortar os mais relevantes eventos culturais dessa forma significa impedir um número gigante de músicos e artistas de participar desses eventos — acrescenta o diretor de negócios da GAM3 Parks.
O motivo da mudança
Consuelo Vallandro, presidente do Conselho Estadual de Cultura do RS (CEC-RS), esclarece que a mudança ocorreu por conta do aumento da demanda de pedidos. Segundo levantamento do conselho, o número de inscritos na LIC chegou a 1.145 em 2022, acima das propostas de 2021 (659) e 2020 (335). O montante do passado, portanto, exigia demanda de R$ 330 milhões, superior aos R$ 70 milhões disponibilizados para este ano por meio da lei.
— Desde julho do ano passado houve aumento considerável no fluxo de inscrições e o conselho ficou com muitos projetos para avaliar. Por isso, o sistema de avaliação mudou: deixou de ser de forma coletiva para ser feito em uma comissão de quatro a sete conselheiros com base em uma tabela numérica — explica Consuelo.
Ela diz que a LIC tem um sistema de seleção que envolve dois entes: a própria CEC-RS e a Secretaria Estadual da Cultura (Sedac). A pasta estadual estabelece as regras, prazos de inscrição, plataforma e os tetos por linha de projeto. Já o conselho é o responsável por criar um ranking, que somará valores até o limite estabelecido pela Sedac. A mudança, segundo ela, ocorreu a partir de conversas.
— A regra foi adaptada após uma audiência pública, promovida pela Sedac, em que muitos proponentes solicitaram a mudança dessa regra por ela prejudicar cidades menores de regiões de grandes polos culturais, como a Região Metropolitana e a da Serra, e passou a ser considerado o município que menos recebeu recurso nos últimos 12 meses — explica.
Por isso, ela acrescenta, os municípios que mais se beneficiaram da LIC antes da mudança, como Porto Alegre, Bento Gonçalves, Caxias do Sul e Gramado, ficaram no “fim da fila”, e outros, como Alvorada, Gravataí e Nova Petrópolis, conseguiram ter projetos aprovados para captação de recursos.
Consuelo diz que o conselho estuda com a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) se há um meio legal para mudar os critérios de desempate para o último lote de priorização que será feito neste ano, que reúne inscritos de junho e julho. Por fim, ela diz que foi feita solicitação ao governo estadual para que seja aumentada as verbas de isenção fiscal da LIC, que poderiam chegar a R$ 130 milhões (hoje é R$ 70 milhões).
— Se ele (governador Eduardo Leite) fizesse isso já para este próximo resultado, por exemplo, todos os projetos com as notas máximas poderiam ser contemplados, como aconteceu em janeiro deste ano. Na priorização de janeiro houve esta suplementação — diz a presidente da CIC-RS.
O que diz a Secretaria de Cultura
A legislação vigente (Lei nº 13.490, de 21 de julho de 2010) prevê que a análise de mérito e o grau de prioridade de projetos inscritos para captar recursos junto à Lei de Incentivo à Cultura (LIC) são estabelecidos pelo Conselho Estadual de Cultura (CEC-RS). Ou seja, passa pelo conselho a decisão de quais projetos vão ser aprovados para captação ou não, sem interferência da Secretaria da Cultura (Sedac). Autônomo, o conselho é composto por 27 integrantes, sendo que dois terços são eleitos por entidades culturais de todas as regiões do RS.
O governo do Estado duplicou os recursos para a LIC desde 2019, passando de R$ 35 milhões para R$ 70 milhões o valor anual disponibilizado. Alguns dispositivos também foram acrescentados à Lei, para tornar o fluxo de aprovações mais eficiente e mais isonômico. Diante deste cenário de maior disponibilização de recursos, percebeu-se um aumento considerável de projetos apresentados. Recentes alterações nos critérios de desempate, criadas e realizadas pelo conselho, no entanto, acabaram afetando projetos que costumavam ser contemplados. Entre as definições, estão a de que serão priorizados projetos com local de realização em municípios que menos receberam recursos da LIC nos últimos 12 meses.
Após o atual período de inscrições, que encerra no fim do mês de julho, novos projetos poderão se cadastrar a partir do primeiro semestre de 2024, com execução no segundo semestre do próximo ano. Até lá, a Sedac deve avaliar novas mudanças na LIC em diálogo com o CEC, bem como buscar a continuidade da ampliação dos recursos disponíveis.