Ao invés de usarmos a internet como uma ferramenta para aumentar a conexão humana, fazemos justamente o contrário. Com a reflexão que relembrou a invenção do monopólio e dos sistemas financeiros, o autor e documentarista norte-americano Douglas Rushkoff falou para a plateia do Teatro Unisinos, em Porto Alegre, na noite de quarta-feira (13), sobre o perigo da tecnologia como um meio de "desconectar" as pessoas umas das outras. Para ele, as plataformas digitais têm "sugado a humanidade dos seres humanos" e buscado redesenhar o comportamento dos indivíduos a favor da expansão econômica.
Ele foi o penúltimo conferencista do Fronteiras do Pensamento em 2023. Considerado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) um dos 10 intelectuais mais influentes do mundo, o teórico da mídia começou a palestra contando sobre a vez em que foi contratado por cinco "homens poderosos" para que ele lhes respondesse qual seria o melhor lugar do planeta para construir um "refúgio" em caso de apocalipse.
— Eles se sentiam sem poder sobre o futuro, como se não houvesse nada que eles pudessem fazer para mudá-lo — lembrou.
Esse pensamento, de acordo com ele, é a raiz dos problemas que guiaram a evolução da internet nas últimas décadas. No início, poderia ter sido pólvora para uma explosão cultural, mas passou a ser entendida como uma possibilidade econômica para expandir o capitalismo. Dentro desse cenário, ele comparou as redes sociais com missionários — que parecem "bonzinhos e legais no início", mas que "juntam informações sobre você e reportam para a nave-mãe" — e afirmou que a tecnologia, atualmente, está colonizando os seres humanos.
A discussão, que passou ainda pelo entendimento do que é trabalho, vai ao encontro do tema do ciclo de conferências neste ano, Entre o Caos e a Ordem, que busca analisar e encontrar soluções para os problemas contemporâneos. Para Rushkoff, no entanto, realidades virtuais ou inteligências artificiais não ameaçam o ser humano. Simplesmente porque, conforme o autor, não há substituição. No fim, é isso que a tecnologia é: uma máquina. Que não tem o poder de olhar o outro no olho, se conectar com a sua subjetividade, colaborar com o coletivo e definir a realidade para algo além de um algoritmo entre zero e um.
— Os computadores sabem os tiques do relógio. Os seres humanos vivem no espaço entre os tiques que os computadores nem sabem que existem. (...) Se os seres humanos são a espécie mais evoluída do mundo, o que eu meio que duvido nesse momento, é um reflexo da nossa habilidade de colaborar e comunicar uns com os outros. (...) As florestas não são um monte de árvores competindo por luz solar. São um organismo feito de muitas árvores compartilhando recursos para garantir a sobrevivência mútua.
Em comparação, o intelectual chegou a citar a cantora Ariana Grande para criticar o autotune nas músicas, técnica que, segundo ele, "tira a alma" das composições. Nessa mesma esteira, uma pintura de Van Gogh não diz respeito a como as informações da imagem na tela chegam a nossos olhos, mas sim sobre como nos conectamos com os sentimentos do artista ao produzir tal obra.
— Não façam autotune com a humanidade. O objetivo da vida é a conexão uns com os outros, e quando você o faz, você se conecta com o presente, com o futuro e não precisa escapar para lugar nenhum. Porque aqui torna-se tudo — finalizou ele.
Fronteiras do Pensamento
A 17ª edição do Fronteiras do Pensamento começou em maio, com a presença da escritora espanhola Rosa Montero, seguida da ativista iraquiana Nadia Murad, do neurocientista hispano-americano Rafael Yuste e do filósofo político americano Michael Sandel. Além dos eventos presenciais, também foram realizadas conferências online ao vivo com o filósofo francês Luc Ferry e dois destacados pensadores brasileiros: o economista Eduardo Giannetti e o psicanalista Christian Dunker. A temporada de encontros será encerrada em 4 de outubro, com a presença do arqueólogo britânico David Wengrow em Porto Alegre.
O Fronteiras do Pensamento tem o patrocínio de Hospital Moinhos de Vento, Sulgás e CMPC, parceria cultural da Casa da Memória Unimed Federação/RS, parceria acadêmica da Unisinos, parceria educacional do Colégio Bertoni Med, parceria institucional da prefeitura de Porto Alegre e do Instituto Unicred, serviço médico Unimed Porto Alegre, promoção do Grupo RBS e realização da Delos Bureau, uma empresa do Grupo DC Set especializada em entretenimento cultural.