Chega ao fim mais uma temporada do Fronteiras do Pensamento, evento que se propõe a trazer grandes pensadores contemporâneos para refletir sobre assuntos da atualidade. Em 2022, sob o tema Tecnologias Para a Vida, o ciclo de palestras debateu assuntos como identidade, ecologia, inovação, globalização, digitalização, ciência, entre outros. Para o gran finale, um dos brasileiros que personificam a divulgação científica no Brasil sobe ao palco da Casa da Ospa nesta quarta-feira (9), às 20h. Nome bastante conhecido pelo público, Marcelo Gleiser apresentará a última conferência, intitulada Como Reinventar a Humanidade na Era Digital?, apresentando ponderações sobre o avanço da tecnologia.
Gleiser, 63 anos, é o primeiro latino-americano contemplado com o Prêmio Templeton, conhecido como "Nobel da espiritualidade". O físico teórico é pós-doutor pelo King’s College de Londres, pelo Fermilab de Chicago e pela Universidade da Califórnia. Publicou os best-sellers A Harmonia do Mundo, A Dança do Universo e O Fim da Terra e do Céu. Seus livros conciliam interpretações religiosas e explicações científicas sobre fenômenos do universo, bem como rigor acadêmico e comunicação com o público, com leveza e um toque poético raro no meio científico.
Radicado nos Estados Unidos há quatro décadas e professor do Dartmouth College há mais de 30 anos, já foi premiado e recebeu bolsas de pesquisa da Casa Branca, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da NASA, do National Science Foundation e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). É membro da Sociedade Internacional de Ciência e Religião e da Sociedade Americana de Física. Foi colunista do jornal Folha de S.Paulo e apresentou quadros no programa Fantástico, da TV Globo. Atualmente é colunista da National Public Radio (NPR), conselheiro editorial da National Geographic e tem um canal no YouTube.
Na palestra, o pensador vai discorrer sobre a transformação dos seres humanos, cada vez mais integrados com tecnologias que determinam, em grande parte, o rumo de suas vidas — os celulares são exemplos concretos disso. Essa integração humano-tecnológica traz promessas e, ao mesmo tempo, ameaças sociais, emocionais e éticas. Esse, portanto, é o panorama que Gleiser abordará: como desenhar nosso futuro usufruindo dessas tecnologias, mas mantendo nossa humanidade, independência intelectual, bem como a possibilidade de escolher o rumo e o sentido de nossas vidas. O professor vai refletir ainda sobre como essas transformações alteram e ameaçam nosso projeto de civilização.
Em entrevista a GZH, ele destaca alguns desses riscos sociais, que acompanham, por exemplo, o desenvolvimento de tecnologias como machine learning, inteligência artificial e mineração de dados, com a criação de uma nova classe de técnicos e especialistas, sobretudo jovens. A consequência é a criação simultânea de outra classe, anteriormente estabelecida, composta por pessoas que se tornam obsoletas no mercado de trabalho, principalmente na área de manufatura, nas fábricas. Com a automação dos postos de trabalho, cria-se um problema social que tem repercussões em todos os países, com a perda de empregos e a ausência de programas para reposicionar ou treinar esses indivíduos.
— Certamente é um impacto social e econômico dessas novas tecnologias. As empresas que estão criando essas novas tecnologias estão pouco ligando para esse problema. Está virando um problema político e causa divisões sociais muito grandes — defende. — Essa é a grande ameaça: ter esse foco na tecnologia, e, nos impactos sociais da tecnologia, muito menos.
O brasileiro se refere à própria terra, lembrando do alto índice de desemprego. Ele sustenta que não se trata apenas de um problema do governo, mas de algo que envolve todos os setores da sociedade, inclusive as empresas que criam essas tecnologias; portanto, elas precisam ser responsáveis pela criação desses programas de “retreinamento” dos trabalhadores.
Gleiser ressalta ainda a questão dos motoristas em relação aos carros, caminhões e ônibus autônomos. Além do desemprego, alguns cargos podem ter a função mantida, mas minimizada — resultando até mesmo em um problema de perda de dignidade e de identidade dos indivíduos, ao deixarem de ser membros produtivos da sociedade, podendo levar à depressão, à raiva, ao ressentimento, à violência.
— Essas novas tecnologias têm efeitos colaterais, não é só aquele oba-oba, "que bacana", "olha só, a gente vai ter carro autônomo, vai ter inteligência artificial, vai poder fazer isso e aquilo" — alerta.
Porém, o físico argumenta que não é preciso parar de evoluir nas tecnologias, e sim desenvolver também uma evolução moral na sociedade, compreendendo que não é necessário atender apenas às necessidades capitalistas de produção de bens, mas também cuidar das pessoas que sofrerão com esse tipo de desenvolvimento.
O pesquisador levanta também uma discussão sobre temas que a ciência não deveria abordar, devido ao embate com a ética. Eles estão relacionados a questões que podem ter um impacto grande no nível social e moral, explica Gleiser, como a capacidade de interferir no genoma humano. Ao mesmo tempo que podem curar doenças de origem genética que afligem milhões de pessoas — a coisa mais nobre que a ciência pode fazer é aliviar o sofrimento humano, conforme o pesquisador —, essas tecnologias também podem ser utilizadas de formas que considera moralmente inadequadas. Ele exemplifica ao imaginar governos tentando criar supersoldados ou ricos tentando conceber superfilhos ou, até mesmo, a clonagem humana.
Deste modo, criaria-se uma grande diferenciação na sociedade, com uma minoria tendo acesso a essas tecnologias extremamente caras nas próximas décadas. Haveria uma divisão entre os "super-humanos" e os humanos, gerando uma tensão. Daí, o questionamento do pensador sobre até que ponto se deve avançar nessas pesquisas ou regulá-las, refletindo, ainda, a respeito de quem deveria estipular esse limite. Na visão de Gleiser, aspectos complicados da ciência moderna precisam ser abordados e regulamentados, por grupos compostos pelo governo e por diferentes setores da sociedade.
Programação presencial e online
A temporada 2022 do Fronteiras do Pensamento conta com 12 conferências presenciais e online. No ambiente virtual, Maria Homem, Martha Gabriel, Rodrigo Petronio, Mayana Zatz, Jorge Caldeira e Sidarta Ribeiro compartilham suas ideias, e as conferências presenciais também estão disponíveis na plataforma até 15 de dezembro. Inscrições para ter acesso aos conteúdos digitais ainda podem ser realizadas pelo site.
O Fronteiras do Pensamento tem patrocínio de Hospital Moinhos de Vento, Unimed Porto Alegre, Dexco e Icatu Seguros, com parceria acadêmica da PUCRS, parceria empresarial de Uniodonto, Sinergy e Colégio Bertoni Med, parceria institucional do Pacto Global e promoção do Grupo RBS.