Autor de livros que já se tornaram clássicos, mas continuam atuais, o norte-americano Steven Johnson falou sobre a origem da inovação na terceira conferência presencial do Fronteiras do Pensamento 2022, relacionando-a com a influência da tecnologia na nossa vida, tema do atual ciclo de palestras. Aos 54 anos, Johnson é especializado em história das invenções nas áreas da saúde e da inovação e é um dos mais respeitados autores de não ficção da atualidade.
Na palestra O Espaço da Inovação: Como Novas Ideias Expandem o Futuro Próximo, realizada nesta quarta-feira (14), na Casa da Ospa, o pensador compartilhou histórias de seus livros e os padrões de inovação que descobriu ao longo dos últimos 20 anos.
— Não se trata do gênio solitário, não é sobre uma única pessoa sonhando com uma ideia isoladamente. Muitas ideias importantes vêm de redes de colaboração, nas quais pessoas de várias disciplinas, experiências e lugares diferentes se unem. É a colisão de diferentes formas de ver o mundo que leva a gerar ideias — enfatizou.
A abertura da noite ficou por conta do Duo de Violinos da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), que tocou Largo (Segundo Movimento), de J. S. Bach, como parte da tríade entre música, debate público e artes formada pela parceria da orquestra, do ciclo de palestras e da Bienal do Mercosul. O mediador da noite foi o jornalista Tulio Milman.
Com 13 livros publicados, o semioticista já abordou diferentes tópicos ao longo dos anos, de games e cultura pop a cólera e expectativa de vida. Porém, o fio condutor que une os temas é a questão da origem das boas ideias e da inovação — e como aprender com pessoas, lugares e organizações com histórico de gerar ideias transformadoras e identificar esses padrões de inovação. Vale destacar que o autor refuta o fenômeno do momento repentino de inspiração.
— Ideias que realmente mudam o mundo quase nunca vêm como o momento em que a luz acende, ao invés disso, são processos muito mais lentos de evolução incremental, começam como uma intuição, o sentimento de que há algo a ser explorado — explicou, destacando que essa intuição vagarosa, como chama, pode levar meses, anos ou até mesmo décadas.
Um exemplo é a World Wide Web (WWW), que, na visão de Johnson, mudou nossa vida para melhor e para pior. O criador, Tim Berners-Lee, começou com um projeto completamente diferente, para organização e classificação pessoal, mas que, cinco anos depois, sem desistir e percebendo o potencial da ideia, levou ao surgimento da web, como um sistema de padrão aberto, sem barreiras, que transformou o mundo.
— Quando temos uma intuição, geralmente é a primeira coisa que esquecemos. Parte do truque de ser verdadeiramente inovador é escrever as intuições e revisitá-las — aconselhou sobre as lições-chave que podem ser tiradas do episódio. — Algumas vezes, a ideia que você tem em 2017 não faz muito sentido na época, mas quando você olha para ela de novo em 2022, de repente, ela parece relevante, porque algo na sua vida mudou, a tecnologia mudou, o entendimento, o mercado.
Contudo, o pensador advertiu que é comum o foco estar sempre nos vencedores e nas ideias revolucionárias, mas há diversos casos na História de pessoas que desenvolveram um trabalho visionário, à frente de seus contemporâneos, porém não alcançaram uma solução. Segundo Johnson, havia um ponto cego na visão, algo que falharam em ver.
Um desses exemplos é o fonoautógrafo, inventado por Leon Scott nos anos 1850, que conseguia gravar áudios, mas não reproduzi-los. Para Johnson, se Scott não estivesse trabalhando sozinho, e sim com outra pessoa, com uma perspectiva diferente, proveniente de outro campo, como um músico, a colaboração poderia ter feito a diferença e gerado um insight. Portanto, um dos princípios-chave da inovação é a importância de uma rede diversificada ao lidar com ideias.
Em relação ao ambiente no qual essas trocas se desenvolvem, para além do Vale do Silício, o teórico da mídia citou os cafés do século 18, espaços geradores de atividade intelectual, onde o iluminismo aconteceu, e que estiveram envolvidos em grandes inovações da História. Ele considera os cafés como o lar de novas ideias por serem espaços multidisciplinares, que eram frequentados em busca de conversas com pessoas com diferentes pontos de vista — e que, ao mesmo tempo, eram vistos como ameaças pelas autoridades.
Para alcançar as boas ideias, portanto, é preciso contar com a ajuda de "conectores", pessoas de realidades distintas que criam pontes entre diferentes áreas. Johnson destacou que é importante pensar sobre como encontrar e encorajar essas pessoas boas em estabelecer conexões e importantes para a sociedade.
Além disso, o pensador ressaltou que a história da inovação está recheada de exemplos de pessoas que desenvolveram projetos apenas pela diversão e pela curiosidade, sem um propósito maior, e que, de alguma forma, levaram a novas ideias que acabaram mudando o mundo.
O jogo Spacewar!, criado nos anos 1960, é um exemplo: subverteu o propósito dos computadores à época e levou pessoas e cientistas a melhorarem o código do jogo e arrumarem bugs, tornando-se também o predecessor do mouse e das primeiras definições de código aberto. O game possibilitou ainda o entendimento de que os computadores executariam outras funções e teriam um impacto cultural, resultando na criação da expressão "personal computer" (PC, em português, computador pessoal). Hoje, 60 anos depois, os impactos incluem até mesmo cirurgias robóticas.
Ao observar os progressos na saúde humana, Johnson percebeu que havia algo faltando: muitas vezes uma ideia original, mesmo após o estágio de intuição, não se sustenta sozinha. Ela precisa de pessoas que a defendam e que sejam boas em explicá-la e popularizá-la — função que o pensador defende celebrar, por ser tão importante na inovação quanto a própria ideia. É o caso da cólera e da importância da pasteurização, que enfrentou uma longa batalha até ser socialmente aceita e incentivada.
O grande guarda-chuva que permeia as ideias apresentadas pelo autor é o "possível adjacente", conceito cunhado por Stuart Kauffman. É uma forma de pensar sobre qualquer sistema que evolui ao longo do tempo, o que torna avanços possíveis, pois se baseia no progresso anterior para continuar. Conforme Johnson, o possível adjacente aumenta cada vez mais ao longo do tempo — há muitas formas de avançar, mais do que existiam anos atrás, em relação à tecnologia e à ciência.
— Parte do truque de ser inovador é descobrir quais novas portas acabaram de abrir, quais novos movimentos se tornaram possíveis nos últimos anos — afirmou o semioticista.
O norte-americano lembrou que muitas possibilidades surgiram no mundo da inteligência artificial, com avanços interessantes em geradores de imagens, pelos quais tem um fascínio.
— Teremos muitas portas se abrindo, algumas levarão a lugares perigosos, outras a lugares poderosos, promissores, interessantes... é o tipo de coisa que você quer procurar: o que está acontecendo ao seu redor, como expandir o possível adjacente neste momento, quais são as novas possibilidades.
Johnson argumentou que o próprio Fronteiras do Pensamento é uma expressão do possível adjacente.
— Isso que é a inovação, expandir o possível adjacente, expandir as fronteiras do pensamento — concluiu.
Programação presencial e online
A temporada 2022 do Fronteiras do Pensamento conta com 12 conferências presenciais e online. Passarão pela Casa da Ospa ainda Luc Ferry, Élisabeth Roudinesco e Marcelo Gleiser. No ambiente virtual, Maria Homem, Martha Gabriel, Rodrigo Petronio, Mayana Zatz, Jorge Caldeira e Sidarta Ribeiro compartilham suas ideias. Inscrições para ter acesso aos eventos presenciais e aos conteúdos digitais ainda podem ser realizadas pelo site.
O Fronteiras do Pensamento tem patrocínio de Hospital Moinhos de Vento, Unimed Porto Alegre, Dexco e Icatu Seguros, com parceria acadêmica da PUCRS, parceria empresarial de Uniodonto, Sinergy e Colégio Bertoni Med, parceria institucional do Pacto Global e promoção do Grupo RBS.