Melina Moraes Schuch
Superintendente de Estratégia e Mercado do Hospital Moinhos de Vento
Dos estúdios de entretenimento ao Vaticano, Frédéric Martel traz assuntos da atualidade com profundidade. São estudos realizados ao longo de anos por diversos países, dando conta da amplitude e complexidade dos temas abordados – ele é autor de obras que refletem sobre as indústrias criativas e a cultura digital. Suas reflexões estiveram no centro do Fronteiras do Pensamento nesta semana, em encontros presenciais em São Paulo e Porto Alegre, e que também terá uma edição online no dia 9 de setembro.
Com densidade metodológica, Martel fala com as pessoas sobre elas e por meio delas. Nas suas abordagens, dá luz à dualidade entre sistemas e indivíduos, refletindo sobre o papel e o impacto de cada um dentro dos poderes estabelecidos nos grupos e subgrupos.
A poetisa, professora e jornalista Cecília Meireles (1901-1964), autora de mais 50 obras e fundadora da primeira biblioteca infantil do Rio de Janeiro, em 1934, representa uma amostra individual de um dos conceitos trabalhados por Martel: o soft power. A partir de uma influência sutil e eficaz, a escritora deixou um legado e um exemplo de como articular e influenciar uma geração. Ela escreveu:
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
– Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Essa influência fluida e sutil da poetisa ultrapassou barreiras e impactou realidades. Abriu as portas para profissionais que vieram posteriormente e trilharam seus próprios caminhos, além de inspirar leitores e estudantes da literatura. Cecília foi uma influenciadora de diversas gerações pela vida que viveu e pela arte que produziu.
O conceito de soft power também ganhou, nas últimas décadas, um espaço nas discussões geopolíticas. Essa expressão se refere à habilidade de determinadas nações em influenciar indiretamente seus pares a partir de fontes como a cultura e a diplomacia.
A representação diametralmente oposta – hard power – conquista isso a partir de meios de demonstração de força, como ações militares ou sanções econômicas.
Mas e quando a influência vai para a internet? Na reflexão sobre a dinâmica de influência das culturas globais e geolocalizadas, Martel contrapõe o senso comum: segundo ele, a internet são “as internets”, no plural. Afinal, a rede não aplaina o mundo: à medida que ela avança, se desenvolve em profundidade. É um mergulho vertical, e não na horizontal.
A tecnologia promete Culture as a Service (em inglês, “cultura como um serviço”), um ambiente em que qualquer usuário pode postar um conteúdo – e todos podem acessá-lo no mesmo instante em que foi disponibilizado. Em contraponto, as diferentes respostas em relação aos influenciadores demonstram que as fronteiras continuam a existir, reforçando as chamadas bolhas de informação. No uso da rede, a escolha dos conteúdos, formatos e tons de discursos são peças-chave na influência de novas pessoas além das que já nos conectamos (impacto na horizontal) ou no aprofundamento dos grupos que já possuímos afinidade (vertical).
Como disse o filósofo francês Gilles Deleuze, é preciso encontrar as “brechas para o desenvolvimento”. A influência sutil busca essa brecha entre as fronteiras estabelecidas, conecta novos pontos e cria novas conexões. Muito se fala sobre as estratégias de divulgação nesse mundo digital, mas o que realmente importa é o conteúdo em si. A autenticidade e a sumarização da reflexão exigem tempo, e esses elementos sustentam as relações de mais alto impacto.
Com mais de 165 milhões de usuários na internet, o Brasil possui cultura local com poder de influência suficiente para evoluir na vertical e na horizontal. Há desafios de linguagem e de estratégias de marketing nas redes sociais, sim. No entanto, mesmo na imensidão de conteúdos disponibilizados na rede, uma voz original com conteúdo cultural autêntico fica para sempre.