Reconhecido por obras que trouxeram a filosofia de volta ao cotidiano, Luc Ferry retorna ao Fronteiras do Pensamento para conduzir a quarta conferência presencial da 16ª temporada do evento nesta quarta-feira (21), às 20h, na Casa da Ospa, em Porto Alegre. O filósofo francês, um dos mais lidos da atualidade, apresentará a conferência intitulada As Sete Faces da Ecologia Política Hoje, aliando responsabilidade ecológica à tecnologia, tema do atual ciclo de palestras: Tecnologias para a Vida. Ainda é possível se inscrever para assistir aos encontros presencias e ao acervo de conteúdos digitais no site oficial do evento.
Aos 71 anos, Ferry é autor de mais de 70 livros, traduzidos para mais de 45 idiomas. Entre eles, destacam-se Aprender a Viver, best-seller que recebeu o Prêmio Aujourd'hui, um dos mais conceituados na França, e também 7 Maneiras de Ser Feliz, A Mais Bela História da Filosofia (com Claude Capelier), O Homem Deus, A Inovação Destruidora e A Revolução Transumanista, entre outros. Ferry é um dos nomes mais populares entre os intelectuais franceses. Ele é doutor em Ciência Política pela Universidade de Reims, onde atuou como professor. Lecionou também na ENS-PSL em Paris, no IEP-Lyon e nas universidades Caen Normandia e Paris VII.
Além disso, foi ministro da Educação naquele país entre 2002 e 2004 — com protagonismo em ações contra o analfabetismo e na aprovação de uma Lei da Laicidade, que restringiu o uso de símbolos religiosos, como as burcas, em escolas públicas —, e foi agraciado com os graus de Cavaleiro da Legião da Honra e da Ordem das Artes e das Letras da República Francesa. Ele é ainda colunista do jornal Le Figaro.
Ferry já esteve em Porto Alegre no Fórum Social Mundial e no Fronteiras do Pensamento, que o trará à cidade pela terceira vez — participou, inclusive, da primeira edição. O francês é um filósofo pop: ele se afasta do vocabulário técnico para se aproximar das pessoas de modo poético, ampliando sua relevância no debate público. Com um texto grandiloquente e otimista, ousa ao propor soluções para problemas contemporâneos e apresentar modelos de conduta práticos com impactos no cotidiano.
Intrínseca ao seu trabalho é a busca pela resposta à pergunta sobre como o ser humano pode viver melhor. Para tal, defende um novo humanismo, com vista a alcançar uma vida repleta de significado e longe da fé religiosa e das ideologias. Seu principal livro sobre o assunto é Aprender a Viver, no qual formula uma nova espiritualidade, baseada na filosofia, considerada por ele como uma doutrina do sentido e da salvação. Assim, propõe um "humanismo secularizado" (ou seja, sem a influência da religião), tomando o amor e o cuidado com quem se ama como parâmetros para escolhas e ações, para além da individualidade. Ferry busca, em suas obras sobre diferentes temas, relações com esse conceito — inclusive na mais recente, Les Sept Écologies ("As sete ecologias", em tradução livre), ainda não publicada no Brasil, na qual aborda a responsabilidade ecológica.
O francês defende a existência de dois tipos de espiritualidade: a com deuses e pela fé, que é a religião; e a sem Deus e pela razão, que é a filosofia.
— Acho que já é tempo de entrar no mundo das grandes espiritualidades laicas, as únicas que me parecem capazes de libertar os humanos das correntes da superstição. A esse respeito, sou um herdeiro do Iluminismo — explicou em entrevista a GZH.
Foco na ecologia
A palestra de Luc Ferry no Fronteiras do Pensamento abordará questões sobre as quais discorre em Les Sept Écologies. O autor já havia abordado a questão da ecologia em A Nova Ordem Ecológica, mas, na nova obra, defende o avanço e o domínio sobre a tecnologia como artifício para superar o impasse entre produção e sustentabilidade.
O pensador propõe a divisão da ecologia política atual em sete grandes correntes. Ele defende o conceito de ecomodernismo, que se apresenta como uma alternativa à visão da catástrofe ambiental como inevitável e à de uma ecologia reformista, que prega um crescimento verde, a seu ver, insustentável a longo prazo. O ecomodernismo baseia-se em uma ecologia liberal, não hostil ao consumo, de modo a conciliar o crescimento econômico sem destruição do planeta com o investimento em novas tecnologias — um "projeto inspirador para uma humanidade reconciliada consigo mesma e com seu planeta", como define.
— A inovação pode tornar crescimento, desenvolvimento e ecologia compatíveis — argumentou em entrevista à Folha de S.Paulo.
Críticas à indiferenciação entre animalidade e humanidade, ao veganismo, aos "fundamentalistas verdes" e à defesa do decrescimento econômico, entre outras, também estão presentes no livro.
Destaque no Fronteiras do Pensamento
Foi justamente Luc Ferry que serviu de inspiração para a atual temporada do ciclo de palestras, com a frase: "A terceira revolução industrial terá um impacto em nossas vidas, nas próximas três ou quatro décadas, maior do que toda a evolução tecnológica anterior". Ele acredita que essa revolução será liderada sobretudo pela inteligência artificial, pela robótica e pela tecnologia digital. Esse avanço tecnológico, afirma, terá repercussões em todas as áreas de nossa vida, da economia à saúde (em particular na luta contra o câncer), passando pela mobilidade, com os carros autônomos, e pela biotecnologia.
O autor argumenta que o mundo, no futuro marcado por essas novas tecnologias, nada mais terá a ver com o nosso, motivo pelo qual ajuda a divulgar o trabalho de cientistas dessa área. Contudo, Ferry não acredita na possibilidade de uma inteligência artificial autoconsciente, que costuma causar receio e medo. O ex-ministro da Educação francês defende ainda uma reforma no ensino baseada nesses preceitos, de modo a formar um espírito crítico.
— Essa será a única barreira sólida contra o mundo que está vindo, no qual será difícil diferenciar o virtual do real e as "fake news" da verdade — argumentou.
Outro tema que atrai o filósofo é o uso das tecnologias para a longevidade humana. Ferry defende o transumanismo, que estimula a transformação das pessoas para além do que a natureza reservou a elas. Mas o pensador ressalta que o objetivo não é prolongar a velhice, e sim a juventude em boas condições de saúde, lutando contra o que chama de desigualdades naturais, com o auxílio da biologia e da inteligência artificial. Ele frisa que esse movimento nada tem a ver com a eugenia ou com o "super-homem nazista".
Para ele, a luta contra as desigualdades naturais pressupõe deixar de considerar a natureza como uma entidade intocável e necessariamente boa.
— Hoje em dia, alguns ecologistas e também a psicologia positiva e algumas ideologias da felicidade clamam por um "retorno à natureza". Mas a lógica da natureza não é a da caridade nem a da solidariedade, muito menos a da igualdade, porque a natureza em seu estado original, não corrigida por decisões humanas, visa sistematicamente à eliminação brutal de fracos, doentes, velhos e deficientes — adverte.
O Fronteiras do Pensamento tem patrocínio de Hospital Moinhos de Vento, Unimed Porto Alegre, Dexco e Icatu Seguros, com parceria acadêmica da PUCRS, parceria empresarial de Uniodonto, Sinergy e Colégio Bertoni Med, parceria institucional do Pacto Global e promoção do Grupo RBS.