Por Luiz Antônio Nasi
Superintendente Médico do Hospital Moinhos de Vento
A ignorância, e não o conhecimento, é o que verdadeiramente impulsiona a ciência, na qual as perguntas são mais importantes do que as respostas. O pano de fundo é o desconhecido, e o pesquisador, assim, seria uma espécie de connoisseur da ignorância. Com essas premissas, Stuart Firestein, professor da Universidade de Columbia, provoca-nos para refletir na abertura do Fronteiras do Pensamento de 2022.
Essas questões ensejam uma pronta reflexão, usando um exemplo bem atual: de que forma os médicos e a sociedade toleram a incerteza – e por quanto tempo, especialmente quando o tempo é tão crucial para salvar vidas, como ocorreu na pandemia e sua maior taxa de letalidade no princípio?
Firestein nos conduz por essa discussão com a metáfora citada na abertura da obra Ignorância: Como Ela Impulsiona a Ciência: a busca de um gato preto num quarto preto é infrutífera, especialmente quando o gato não está lá. Algo às vezes esquecido e que exemplifica o risco de condutas e conclusões precipitadas que sobraram em quase três anos de emergência sanitária.
A aparente dissintonia entre ciência e medicina poderia ser explicada pela necessidade do pragmatismo médico em dar respostas prontas a questões complexas, posto que os cientistas não têm compromisso com essa premência? Fato é que a sociedade moderna tem pressa em encurtar o tempo das coisas.
E quando um pesquisador cria um projeto de pesquisa, quase sempre se apoia numa ideia e, para obter essa resposta, vê que há outras perguntas que precisariam ser respondidas antes de seguir adiante. Quão grande e abrangente uma questão deve ser é algo crucial nesse campo.
Muitas vezes nossas limitações de tempo, recursos ou do próprio conhecimento vigente limitam o tamanho das respostas frente a indagações desafiadoras. Só gênios conseguem desvendar os grandes mistérios da vida de forma lógica e, mesmo assim, com frequência se apoiam em pequenas descobertas através de anos de observação. “Des-cobrir é tirar a cobertura, remover o véu”, afirma Firestein.
Um Nobel, às vezes, é fruto de uma única descoberta, mas raramente fruto do acaso. Por trás, há uma vida inteira de trabalho, dedicação, humildade e também ignorância, como uma força motivadora. Como disse Darwin, um dos cientistas mais detalhistas da história: “É sempre aconselhável perceber com clareza a nossa ignorância”.
Como selecionar a informação? Como acreditar no que não dominamos? Passamos a anexar no nosso dia a dia a percepção de risco.
Mas os desafios são ainda maiores hoje, quando olhamos para um mundo não só de conhecimento crescente mas, também, de pós-verdades, em que determinada informação ou asserção distorce deliberadamente a realidade. Estas têm como base crenças pessoais, publicações que não foram replicadas por seus pares e falsas culturas, difundidas inclusive em detrimento de fatos já apurados.
Como selecionar a informação? Como acreditar no que não dominamos? Passamos a anexar no nosso dia a dia a percepção de risco. Um risco de que a massa de conhecimento de má qualidade se torna exponencial e ingovernável. Numa instância maior, essa ignorância passa a ser comum a todos nós, fazendo crescer a incerteza.
Antigamente, construíam-se enciclopédias para armazenar o conhecimento consolidado. Hoje, plataformas e gigantes como o Google têm esse papel. Movemo-nos pela ciência e pela tecnologia, mas poucos dominam esses temas. É a receita pronta para o desastre, como salientou Natalia Pasternak, uma das cem mulheres mais influentes do mundo segundo ranking da BBC de 2022.
Nesse sentido, cientistas, universidades, financiadores, sociedades médicas e a imprensa devem se comunicar melhor. Como fazer? Como estar mais próximo do cotidiano? Como provocou Natalia, deveríamos voltar a “tomar um cafezinho” com as pessoas. Encarar com mais humildade a ignorância e a incerteza. Assim, estaremos mais próximos da verdade.
O que vem por aí
- A próxima conferência presencial do Fronteiras do Pensamento será no dia 31, na Casa da Ospa, com o pesquisador da indústria criativa e da cultura digital Frédéric Martel, autor do polêmico best-seller No Armário do Vaticano. O evento seguirá com novos encontros nos dias 14 e 21 de setembro, 19 de outubro e 9 de novembro.
- Já entre as conferências online, além das quatro já disponibilizadas se somarão outras quatro, que poderão ser acessadas a partir desta segunda-feira (22/8). Confira informações sobre todos os conferencistas em fronteiras.com. A cobertura completa de GZH, com entrevistas, artigos e outros textos você acessa em gzh.rs/Fronteiras.
- O patrocínio é de Hospital Moinhos de Vento, Unimed Porto Alegre, Dexco e Icatu Seguros, com parceria acadêmica da PUCRS, parceria empresarial de Uniodonto, Sinergy e Colégio Bertoni Med, parceria institucional do Pacto Global e promoção do Grupo RBS.