Por Ana Lúcia Nejar Ribeiro Viana
Jornalista e estudante de Psicanálise no Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul (CPRS)
Contar histórias faz parte da construção da humanidade. A linguagem é pilar, a escuta, capacidade de elaboração. A palavra calorosa é mão estendida em um momento de desamparo; quando reativa, faca afiada. Da doçura ao azedume, como balas coloridas em formato de minhoca, as novelas, séries e seus assemelhados parecem provar que o gosto do espectador oscila, porém, o sucesso tem na base do roteiro uma fórmula padrão.
Ao observar a ascensão e a preferência dos brasileiros, jovens e adultos, pelos chamados “k-dramas”, séries coreanas que mesclam romance, comédia e aventura, em formatos padrão (quase todos com 16 episódios de pouco mais de uma hora cada), notam-se vários traços em comum: seus personagens têm infâncias trágicas (perda de mãe, pai, abandono, morte e rejeição); sua vida adulta é focada na carreira e na estabilidade financeira; geralmente há um triângulo amoroso, como a endossar o Complexo de Édipo.
A sexualidade escancarada é algo impensável: os casais namoram somente após nomear a relação; antes disso são amigos. Com status de namorados, dormem na mesma cama ou sofá, sem nudez. Os beijos são selinhos e os carinhos mais intensos em tela são o toque das mãos ou um abraço.
Há de se questionar: estamos em 2022, os brasileiros tornaram-se tão conservadores? Ou o excesso de sexualidade e pornografia hoje disponível arremessa esse espectador a uma imersão em algo completamente dissonante da sua realidade? Talvez a chave não esteja nem em uma ou outra questão. A resposta aproxima-se mais quando avaliamos o modo de expressar o amor.
A ternura, algo especialmente caro a histórias românticas e evidenciada nas séries de k-drama, talvez explique a avalanche do interesse mundial pelo estilo cinematográfico coreano, alça o interesse do público e bate em um ponto fundamental da construção de cada um de nós: a necessidade de acolhimento.
Quando se fala em amar, recorre-se invariavelmente ao estilo romântico. Aqui, especificamente, o enredo é orquestrado de um modo mais afetivo. A partir das descobertas freudianas, outros psicanalistas aprofundaram a ternura e sua influência, como Laplanche e Pontalis, que apontam sua oposição à sensualidade. A ternura seria, então, a primeira modalidade amorosa da criança, onde o prazer sexual é apoiado na satisfação das pulsões de autoconservação.
Em seu texto Inibição, Sintoma e Angústia (1926), Freud discorre sobre a formação das neuroses. Apoia-se no fato de que os humanos nascem menos prontos em relação a outras espécies, fazendo com que os bebês tenham uma dependência longa. Para Freud, o fator biológico dá origem às primeiras situações de perigo e cria a necessidade de ser amado, que jamais abandona o ser humano.
Em O Futuro de uma Ilusão (1927), Freud descreve que a libido acompanha as necessidades narcísicas e, portanto, se apega aos objetos que garantam sua satisfação, explicando que a mãe que satisfaz a fome da criança torna-se o primeiro objeto de amor, portanto, a primeira proteção contra a angústia.
E não são poucas as cenas de casais coreanos que iniciam o enlace a partir da preparação de um mingau para o parceiro acamado, um guarda-chuva estendido em uma noite de temporal, o casaco colocado sobre os ombros da amada em uma manhã de neve. Ações que remetem mais a um amor parental do que propriamente apaixonado.
Também estão presentes nos episódios muitas brincadeiras, desafios, seja correr na beira do mar, ou tomar um banho de mangueira no pátio. A proximidade do casal se intensifica mais pela identificação do que pela idealização do outro.
São amores puros, permeados de ternura. São adultos que percebem a importância do lúdico e que reproduzem a máxima do psicanalista Sándor Ferenczi, de que o que a criança deseja, mesmo em relação às coisas sexuais, aparece somente no brincar e na ternura. Abdicar do jogo violento da paixão e ainda assim tecer um enredo amoroso parece ser a receita mágica dos “k-dramas”.